quarta-feira, 9 de abril de 2014

Valesca, pensadora sim!


O professor do Distrito Federal que resolveu chamar Valesca Popuzuda de "grande pensadora" numa questão de prova conseguiu levantar uma discussão interessantíssima: o que é ser pensador e o que é pensar? Mais que isso: o que é educar?

Paulo Freire, um dos poucos brasileiros a encampar um projeto nacional de educação, disse que ensinar não é transferir conhecimento e sim criar possibilidades para sua própria produção ou construção. Ou seja, segundo o maior educador da nossa história, educar não é um monólogo, mas um ato coletivo. Para ser bom professor, portanto, é preciso entender mais do que o conteúdo, a "matéria"; é preciso entender de alunos, porque só assim se consegue estabelecer canais e linguagens eficientes no trato com eles (e aqui entra uma ciência pela qual sou apaixonado, a Educomunicação). 

Voltando ao caso da Popuzuda, explica o professor Antonio Kubitschek em entrevistas para a velha mídia (que só se preocupa com educação quando há algo "bizarro" a noticiar), que a citação partiu de uma discussão em sala de aula para se refletir sobre a construção dos valores em uma sociedade.  Ora, então, considerando a reflexão prévia da classe sobre a música no processo da construção de valores sociais (algo de imensa importância, principalmente depois que Zygmunt Bauman nos mostrou o mundo líquido); e considerando também que "Beijinho no ombro" está sendo cantado e mimetizado do Vidigal aos Jardins, qual o problema da discussão levantada na sala de aula do Distrito Federal? Seria por se tratar de cultura popular? Pelo fato de Valesca ter nascido na favela e se rebelado contra sua condição, vencendo na vida? Ou o problema é o odioso funk, que fere os ouvidos de quem prefere Jota Quest cantando sobre refrigerantes?

Há quem diga que o maior problema foi chamar Valesca de "grande pensadora". A própria cantora reagiu à polêmica, negando-se a tal titulação, mas deixando uma pequena aula sobre o que é prioridade na discussão do interesse público: "Eu acho que as pessoas tinham de se preocupar era com o salário dos professores, com as escolas que não têm mesa, não têm cadeira, não têm nem giz. Acho que a gente tem de cuidar da nossa educação que está precária. Com tanta coisa para estar se preocupando, as pessoas querem gerar polêmica por isso".

Em poucas palavras, a funkeira resumiu um problema que não é resolvido por políticos que mais se preocupam com o poder, que não é bem abordado por uma mídia que só quer gerar espetáculo (e cada vez mais reportados com erros gritantes) e que não é enfrentado por muitos educadores incapazes de abraçar a educação como uma missão nobre, preferindo tradições ultrapassadas.

Se uma citação de Valesca Popuzuda em prova escolar foi capaz de levantar uma discussão nacional sobre o que é educar, é porque ela consegue, talvez mais que muitas teorias enquadradas em ABNT, fazer pensar num país que não é muito adepto dessa prática. E beijinho no ombro aos donos da verdade!



Valesca posa para a campanha contra o estupro: ousada mas educativa e com linguagem extremamente eficiente ao falar com seu público


* agradecimento a Tainã Briganti, que permitiu um debate essencial a este texto

2 comentários:

  1. Ah, me poupe! - É por essas e outras que o país é essa merda.

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  2. "Prelúdio a uma 'poposidade' filosófica" https://www.facebook.com/vitorbb/posts/10201804946753268?fref=nf Reflexões frente à polêmica.

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