sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Brasil é melhor que a notícia


Se acreditássemos nas manchetes da velha TV, das velhas revistas e dos velhos jornalões este ano, teríamos a certeza de que a economia brasileira está num abismo morro abaixo. Mas, quando não dá para disfarçar (ou, manipular) diante da divulgação de números oficiais, fica evidente que a realidade passa longe das palavras do Bonner e seus discípulos midiáticos.

O G1, da Globo, cede à verdade e publica, no alto de sua home nesta manhã, um gráfico muito interessante comparando o crescimento de vários países com o Brasil, em índices do segundo trimestre de 2013. E lá se constata que crescemos mais que o dobro dos Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, toda a zona do Euro e Espanha.

Ruim, né? Muito ruim!

Os fatos, na verdade, escancaram que o dito jornalismo feito pela maioria dos velhos veículos de comunicação brasileiros não noticiam, mas especulam. Numa rápida lembrança do que já disseram este ano, consta um falso risco de caos energético inventando por Eliane Cantanhede na Folha, alarde de inflação desenfreada e generalizada por causa do preço do tomate (com direito a Ana Maria Braga com um colar patético, na Globo, e montagem com Dilma pisando na fruta na capa da Veja), Real se transformando em papel higiênico, pibinho daqui, pibinho dali, pibinho de lá... 

Sim, o Brasil tem muito a melhorar e está cheio de mazelas a enfrentar nas esferas pública e privada. Mas o país que a velha mídia pinta com cores gritantes (e torce para que seja verdade) é infinitamente pior.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Mulheres são barbeiras, diz Uol


Preconceito para noticiar preconceito. Assim faz o Uol, do Grupo Folha, sobre uma iniciativa bizarra de uma empresa na China: criar vagas de estacionamento específicas para mulheres, com mais folga para manobras e inclusive placas de informações na cor rosa.

Acontece que tão ridículo quanto o fato em si é o título que o Uol dá em sua home (capa). A forma como foi construída a chamada afirma que as mulheres são barbeiras, dizendo: "Garagem cria vagas para evitar barbeiragens das mulheres". 

O título é ruim em vários sentidos, pois garagem não cria nada, quem cria é a equipe de seres humanos administradores da garagem. O pior, entretanto, está no machismo debochado do Uol, que pressupõe a falta de habilidade ao volante como condição feminina.

Não é um caso isolado de preconceito da mídia em relação a mulheres e outras esferas da sociedade. Inaceitável!

Por trás da avacalhação


O Ceará deve ser o primeiro Estado beneficiado com o programa Mais Médicos, onde foram abertas 834 vagas atendendo a pedidos de 150 das 184 cidades cearenses para o programa federal. As informações são da jornalista Monica Bergamo e os números são interessantes.

Apenas 106 médicos brasileiros se interessaram pelas vagas abertas no Estado, restando 728 vazias. Ou seja, se se contasse apenas com os profissionais brasileiros, 87% da demanda da saúde pública cearense ficaria descoberta, sem atendimento à população. É para parte dessa enorme lacuna que vão os médicos estrangeiros.

Engraçado é que foi no Ceará que as patricinhas e mauricinhos de branco, brasileiros, vaiaram e achincalharam os profissionais cubanos, num vergonhoso corredor polonês formado no aeroporto de Fortaleza, em que se gritaram palavras ofensivas como "escravos". 

A verdade, porém, é que em condição de escravidão estaria a população que necessita de médicos, se dependesse apenas dos brazucas xenófobos, classistas e mal educados.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Mais domésticas!

Viola Davis, Oscar pela brilhante atuação em Histórias Cruzadas
Ontem uma jornalista disse que as médicas cubanas têm cara de empregada doméstica e não se impõem pela aparência. Pois eu sou jornalista e não vejo diferença alguma entre a importância do trabalho de um médico, de um jornalista e de uma empregada doméstica. Aliás, eu sou jornalista e empregado doméstico de mim mesmo, pois sou eu que limpo meu banheiro, arrumo minha casa e faço minha comida.

O que seria ter aparência de médico? Vestir grife? Usar perfume da Channel? Ter carrão importado na garagem? E qual a tradução para "se impor pela imagem"? Seria humilhar os outros mostrando-se superior apenas por ter dinheiro para comprar roupas e acessórios mais caros para pendurar no corpo?

Jornalistas juram defender a verdade acima de qualquer coisa. Médicos juram defender a vida. Empregadas domésticas não precisam jurar nada em cerimônias pomposas e cheias de hipocrisia, mas seu juramento é diário: necessitam cumprir, na prática, um papel fundamental na vida de qualquer um, mantendo um lar digno e habitável. Da mesma forma que necessitamos cuidar da mente e do corpo, com verdade e saúde, precisamos cuidar da nossa casa. Não há hierarquia de importância entre quem desempenha um ou outro trabalho.

O Brasil cuja elite se escancara xenófoba, hostil e fascista está precisando de mais empregadas domésticas, de pessoas humildes e batalhadoras que arregacem as mangas para limpar a sujeira que não está apenas nas paredes, mas na índole. Estamos precisando de mais pessoas que não se imponham pela aparência, mas que saibam conviver com respeito e dignidade.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Números para vergonha



54,5% 
dos médicos recém-formados no Brasil foram reprovados em exame do CRM-SP no ano passado

100%
deles estão trabalhando, pois não é necessário passar no exame para obter o registro e atuar como médico

40%
dos médicos de Cuba têm mais de uma especialização e 20% deles têm mestrado

1,8 por 1 mil
é a proporção de médico por habitante no Brasil.

1 por 160
é a proporção de médico por habitante em Cuba (não tem o mil, são 160 habitantes mesmo)

2.200 reais
é o preço médio de uma diária na UTI do Hospital Sírio Libanês, ou seja, uns quatro salários mínimos

zero pesos
é o custo da saúde em Cuba, para todos os cidadãos

2 por mil
é a relação de leitos hospitalares por pessoas no Brasil

5 por mil
é a relação de leitos hospitalares por pessoas em Cuba

16,7 por mil nascidos
é a taxa de mortalidade infantil no Brasil

4,5 por mil nascidos
é a taxa de mortalidade infantil em Cuba, a menor das Américas

73,4 anos
é a expectativa de vida no Brasil

79,3 anos
é a expectativa de vida em Cuba

faltam 54 mil médicos
no Brasil para que nossa relação de médicos/população seja aceitável

sobram 15 mil médicos
cubanos, que atuam em vários outros países, em diversas especialidades

61,8 bilhões de dólares
é o PIB de Cuba, que sofre há décadas com o embargo comercial imposto pelos EUA

2,47 trilhões de dólares
é o PIB do Brasil, a sexta maior economia do mundo


QUEM DEVERIA TER VERGONHA?

Os riquinhos de branco


A cena é deprimente. Um médico cubano, negro, segue no aeroporto de Fortaleza para trabalhar em um lugar onde nenhum dos nossos profissionais quis, mas duas médicas brasileiras o vaiam. A atitude é isolada, já que a maioria da população (segundo pesquisa recente do Datafolha) apoia a vinda de médicos estrangeiros, mas retrata uma hostilidade egoísta, corporativista e desumana da elite brasileira.

As vaias das duas médicas que humilham o profissional cubano em público, assim como as calúnias e ameças antiéticas do presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas contra profissionais de fora e a distorção ideológica feita por vários conselhos de classe e partidos de direita contra o programa Mais Médicos, escancaram o modelito preferido dos senhores feudais da pátria amada, salve, salve: grande parte deles veste jalecos brancos.

Revela-se em muitos dos que praticam a medicina, uma das profissões mais importantes desde a primeira descoberta científica da humanidade, um rancor classista e odioso no Brasil, protagonizado por barões da saúde privada e altamente lucrativa, ecoando também em seus capatazes bem nascidos, bem pagos e privilegiados por poderem escolher onde trabalhar, querendo também manter pessoas sem atendimento em nome de uma bizarra reserva de mercado.

Sim, existem médicos brasileiros que não são filhos de ricos; existem médicos brasileiros comprometidos com a saúde acima do dinheiro; existem médicos brasileiros idealistas, batalhadores e humanistas. Porém, se escancara nessa profissão (justamente a profissão que lida diretamente com a preservação da vida!) a caricatura da elite que ecoa das Capitanias Hereditárias, tão arrogante quanto cruel, tão mesquinha quanto hostil.

Os riquinhos de branco são uma vergonha para um país que começou a abrir suas senzalas.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Escravos intelectuais

Quadro de Marcel Verdie
Colunistas da velha mídia cantam em coro que os médicos cubanos que chegam ao Brasil são escravos. Justificam tal visão no fato de que será o governo de Cuba que repassará seus salários, ficando com parte do pagamento feito pelo Brasil. Argumento tosco resultante de intolerância ideológica.

Cuba é um país socialista, em que o Estado comanda todos os serviços de saúde, mas façamos uma analogia com o mundo privado. Se uma instituição brasileira, seja governamental ou empresarial, contrata uma empresa estrangeira para determinado serviço, vai pagar a quem? À empresa ou a cada um dos seus funcionários? E essa empresa, vai repassar aos seus funcionários todo o valor do contrato ou parte do ganho?

O mesmo vale quando contratamos um convênio médico, por exemplo. Pagamos a mensalidade para cada médico ou à empresa mantenedora do convênio? E a empresa repassa toda nossa mensalidade aos profissionais ligados a ela ou apenas parte do valor, conforme o trabalho que cada um desempenha?

Agora, olhe para seu celular, seu computador, seu tablet ou notebook. Tente encontrar uma peça nele em que não esteja gravada a frase "Made in China". Pois a China é um país comunista, com governo totalitário, sem democracia. Lá, as leis trabalhistas são quase inexistentes, há trabalho escravo e infantil. Mas quase todas as peças eletrônicas da sua casa e do seu trabalho são chinesas, e ninguém aqui nem nos EUA reclama.

Os colunistas da velha mídia escrevem em teclados chineses, veem em monitores chineses, falam em telefones móveis chineses e usam o Sírio Libanês quando precisam de médicos, na "democrática" saúde brasileira. Também adoram nos chicotear com as palavras da Casa Grande, da qual são apenas pombos-correio.

sábado, 24 de agosto de 2013

Vocação versus soberba



"Nós somos médicos por vocação e não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi solicitada, e não por salário, nem no Brasil nem em nenhum lugar do mundo". As palavras são de Nélson Rodríguez, médico cubano que acaba de desembarcar no Brasil, neste sábado, uma postura bem diferente do que um brasileiro dizia sobre os cubanos, ontem.

João Batista Gomes Soares, presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, vomitou calúnias contra os profissionais de outros países e ameaçou com práticas antiéticas, orientando médicos brasileiros ligados ao seu conselho a não atenderem os pacientes "vítimas" de erros que ele "previu" que vão ser cometidos pelos cubanos. Uma afronta ao que os próprios médicos juram fazer quando formados.

As palavras do cubano são uma aula de medicina e humanidade, pois nos ensinam que acima do cifrão está a vida, e que o dinheiro deve ser uma consequência do que fazemos, não a causa. Já o odioso discurso do brasileiro escancara um país onde, historicamente, a saúde carece tanto de vocação quanto de solidariedade, pois está atrelada ao dinheiro, é boa só para ricos, um negócio milionário que levanta impérios particulares ditos "beneficentes" (repletos de isenções do poder público, mas onde a imensa maioria da população não tem condições de arcar com os custos do atendimento) e uma indústria de convênios que lucra horrores com muito mais clientes do que pode, de fato, atender.

Nossa saúde está doente de soberba. Muitos dos profissionais que nela trabalham sequer entenderam que o jaleco branco não é um manto de superioridade com o qual se desfila até em restaurantes no almoço (como vejo todo santo dia aqui em SP), mas um uniforme que deveria indicar ao paciente limpeza, clareza, segurança e proteção.

Bem-vindo ao Brasil, doutor Rodríguez!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Faltam médicos e caráter


A reação do presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, à vinda de médicos estrangeiros retrata bem a divisão do Brasil em Casa Grande e Senzala no que tange à saúde. Soares prega que não se socorram pacientes que vierem a ser "vítimas de erros dos colegas cubanos".

A declaração é de uma arrogância digna de nojo. Primeiro, porque ele se coloca numa condição de superior diante de outros profissionais; segundo, por ser xenófobo; terceiro, por caluniar os colegas estrangeiros, "prevendo" que eles errarão no ofício da medicina; quarto, porque rasga a própria ética médica, de nunca negar socorro a qualquer paciente, mesmo sendo ele um cruel criminoso.

A arrogância do doutor Soares, entretanto, está mais para recalque que para qualquer outra coisa. São palavras da "New England Journal of Medicine", uma das mais prestigiadas publicações médicas do mundo: "O sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito. Apesar de Cuba ter recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso não conseguiu ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante que os EUA".

O Brasil tem medicina de excelência, mas para uma minoria absoluta da população, que pode pagar fortunas para ser atendida no Sírio Libanês ou no Albert Einstein. Para o restante, ficam os refugos nos convênios médicos até se chegar ao inferno no SUS. Para piorar, temos uma relação pífia de menos de dois médicos por mil (sim, MIL!) habitantes, enquanto em Cuba essa relação é de 1 médico para 148 habitantes.

Apenas um pequeno exemplo do que isso significa em resultados: mesmo com uma economia dilacerada pelo embargo comercial imposto pelos EUA (que não faz a mesma coisa com a China comunista, por exemplo), Cuba tem taxa de mortalidade infantil de 4,5 por mil nascidos, a menor da América, melhor que os EUA e o Canadá (no Brasil, a relação é de 20 por mil nascidos). A expectativa de vida da ilha caribenha chega a 79,13 anos, contra 78,64 dos EUA (e 72,44 do Brasil).

Detalhe: em Cuba, a medicina é gratuita. Para todos.

Doutor Soares, ¿Por qué no te callas?

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Justiça amputada


Um jovem bem-nascido vai à balada, bebe e dirige seu carro ziguezagueando em alta velocidade pelas ruas, atropela um ciclista, não presta prestar socorro -só parando depois, para tirar o braço da vítima que ficou preso no seu veículo-, joga o membro em um rio e segue para casa. Este jovem acaba de ser premiado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu não o mandar a júri popular por não encontrar exatamente onde estaria seu "dolo" (ou, sua culpa).

Claro que ele não precisa de júri popular. Aliás, nem precisará de condenação ou punição pelo crime que cometeu no processo que resta, agora apenas por lesão corporal. Ele tem bons advogados, que sabem que as leis brasileiras foram feitas e são executadas em benefício dos capazes de passear por suas interpretações e influências.

A vítima é um pobre pintor que precisa acordar cedo em pleno domingo para trabalhar (sim, trabalhar no domingo cedo!). Mais: precisa pedalar sua bicicleta para chegar ao trabalho e enfrentar as ruas de uma cidade construída para quem tem carro e grana. Mais ainda: agora terá de labutar sem um braço. Situação bem diferente do jovem motorista, um estudante de família abastada, que passou a madrugada na balada, saiu dela com três vodkas na cabeça e em alta velocidade ao volante, sem preocupação alguma com a lei seca, com o código de trânsito, com o código penal...

Ora, para que se preocupar com leis e códigos se tudo isso só pune, de fato, os pobres?; para que esquentar a cabeça se, tendo bons advogados, pode-se até matar, seja atropelando, esfaqueando ou atirando, pois dificilmente um réu primário rico vai atrás das grades no Brasil. O pobre é que vai! E nem precisa atropelar ou matar, basta roubar o toca-fitas de um carro ou um saco de feijão no supermercado.

A Justiça brasileira é uma piada em várias instâncias, que começa nos pequenos tribunais e se consolida no presidente supremo, que confunde sua toga com a capa do Batman. É a mãe da desigualdade, do elitismo e da impunidade. 

Esse caso absurdo que escancara a pátria dos privilegiados me fez lembrar a música do Chico Buarque. Pobre morre trabalhando, na contramão e atrapalhando o tráfego. O braço do garoto pintor? Deus lhe pague!

Bienvenidos!



O Brasil tem hoje 1,8 médico por mil habitantes e é pouco. Para subirmos a 2,5 (para se ter uma ideia, a Argentina tem três), serão necessários 168,4 mil novos médicos. As faculdades de Medicina brasileiras fornecem ao mercado apenas 18 mil formandos por ano e há cidades que, mesmo pagando salários em torno de 30 mil reais, não conseguem atrair um único profissional porque a preferência (e não sem razão) é pelos grandes centros, com maior infraestrutura para trabalhar.

A notícia de que 4 mil médicos estrangeiros já estão chegando ao país, depois de oferecidas todas as vagas disponíveis aos profissionais brasileiros, é uma vitória contra resistências de entidades que gritam mais por interesses classistas do que pela vida das pessoas. 

É claro que o melhor dos mundos seria ter um misto de Sírio Libanês e Albert Einstein público em cada cidade, com estrutura impecável tanto ao paciente quanto ao profissional. Entretanto, essa é uma realidade rara até em países ricos, simplesmente porque no capitalismo a saúde também é subordinada ao lucro e prova disso foi a enorme resistência que Obama teve no Congresso para tentar criar um sistema de saúde pública nacional nos EUA, quando vários congressistas republicanos gritaram que quem não pode pagar não merece ser carregado nas costas por quem paga (visão típica do protestantismo calvinista, muito forte em um país colonizado por puritanos e que considera a prosperidade material a salvação perante Deus).

A regra do "quem paga mais leva mais e melhor" vale para a educação e outros muitos serviços essenciais (esta semana mesmo, o desenho dos Simpsons ironizava a precariedade do ensino público americano em relação ao privado, realidade que nossa síndrome de vira-lata insiste em não acreditar). A diferença do Brasil é o tamanho do abismo que separa um lado do outro.

Temos uma medicina de primeiríssimo mundo para a elite da elite, mas o serviço desce aos porões do inferno aos que precisam de convênios mais simples ou do SUS. Somos a versão selvagem do capitalismo medicinal e isso é resultado de um país que foi governado 500 anos apenas por (e para) uma pequena parcela da população, que ocupa o topo da pirâmide. Essa mesma pequena e privilegiada parcela está disseminando ódio à vinda dos profissionais de Cuba, onde são raros os olhos azuis e os tipos George Clooney, mas a Medicina é muito mais abrangente que aqui.

Apesar da gritaria (a Veja já fala que os "petralhas" estão financiando a ditadura de Fidel), os cubanos estão chegando num momento em que 54% dos brasileiros apoiam a vinda de médicos de fora e, curiosamente, na semana em que, em Portugal, se lamenta o fim de contratos com 5 mil médicos também de Cuba). São palavras do presidente da Ordem dos Médicos de Portugal: "Os cidadãos que receberam os médicos estrangeiros ficaram satisfeitos. Não tinham médico e passaram a ter". 

Ora, pois!

Bienvenidos, hermanos latinos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Beijos

Beijos inusitados, ousados e criativos do meu programa favorito, Os Simpsons

Já se falava em beijo dois mil e quinhentos anos antes de Cristo. Isso é o que se conhece das inscrições nas paredes de templos indianos, pois certamente o toque dos lábios em outra pessoa é ainda mais antigo. 

Entre os persas, na Antiguidade, homens se beijavam na boca; na Grécia, pais e filhos ou amigos também tocavam os lábios mutuamente como forma de carinho; os nobres mais influentes em Roma beijavam a boca do imperador e, na Escócia, já foi comum o padre beijar os lábios da noiva ao celebrar um casamento. A França, no início do século 20, consagrou o beijo de língua.

Eu arriscaria dizer que desde que se inventou a boca, há todo tipo de beijo. De amizade, de carinho, de amor fraterno ou passional, de tesão, de brincadeira, de falsidade, de maldade. Dizem as escrituras que Judas beijou Cristo para mandá-lo à cruz. Mas, pelo mundo todo, casais de todos os tipos se beijam há milênios para concretizar o que há de mais belo entre dois seres: a cumplicidade, o companheirismo, o amor.

No século 21, a humanidade evolui em direitos individuais, mas nos tornamos indivíduos um tanto intocáveis. Nos Estados Unidos, a pátria do puritanismo consumista, o toque é quase um atentado ao pudor e o beijo no rosto pode virar processo por assédio com pedido de indenização, fácil, fácil. Beijo entre pessoas do mesmo sexo, então, é quase motivo para morrer na fogueira em praça pública, tal qual se fazia na Idade Média (e o Brasil é bastante adepto dessa nova inquisição).

Dia desses uma mãe perguntava, numa rede social, em defesa dos religiosos homofóbicos: "Mas, o que direi ao meu filho se, num restaurante, dois homens se beijarem na mesa ao lado". Agora, torcedores machões ficam indignados com o selinho de Sheik, também questionando: "Como vamos ter moral para chamar o sãopaulinos de bambis?".

Se a mãe em questão fosse capaz de educar um filho para a vida, aproveitaria a ocasião para ensiná-lo que o beijo pode ser uma das mais belas formas de carinho e que o amor não deve ter barreiras, assim como todas as diferenças entre as pessoas devem ser respeitadas. Esse filho, então, não seria um torcedor machão, nem usaria um tipo de orientação sexual como piada de mau gosto, ofensa, repulsa. Seria uma grande oportunidade para realizar o milagre de ir além do fazer filho, educando-o para ser gente.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Os jagunços da Xuxa: que ironia!

Xuxa contracena com criança em filme
O mundo das "celebridades" midiáticas é bizarro. Antes da fama, muita gente faz de tudo para aparecer em uma foto, um vídeo, participar de um reality show ou qualquer tipo de menção que dê ibope. Depois, quando a conta bancária transborda, tratam fotógrafos e cinegrafistas como monstros dignos de ser agredidos por jagunços contratados para "proteger" a celebridade e sua família da mídia.

Um exemplo acaba de acontecer. Um repórter fotográfico do jornal "Estado de Minas" foi agredido fisicamente pelos seguranças da filha da Xuxa, a Sasha, só porque ele clicou a garota em um jogo de vôlei. A informação está publicada no site Comunique-se (clique aqui para ler). "Eles tentaram puxar meu equipamento e começaram a me bater, até que caí no chão", diz o profissional ao site, que teve de ser afastado do trabalho por fratura em uma das vértebras.

Sasha joga no time de vôlei do Flamengo e o fotógrafo estava fazendo a cobertura de uma partida realizada em Minas, mas há um contrato entre o clube e o "staff" da rainha-mirim proibindo que ela seja exposta na mídia. Ou seja, pode fotografar o time e tudo mais, menos Sasha.

Eis uma ironia sem precedentes. Sasha é filha daquela que fez tudo por alguns minutos de fama, conseguindo ser namorada do rei Pelé e até contracenando com uma criança em cena erótica do filme "Amor, estranho amor", tudo em busca de se tornar "alguém" entre os famosos. Acabou se tornando um produto da Rede Globo com o rótulo de "rainha dos baixinhos", ficando milionária com o talento de vender "xandalhinhas", "xapatinhos", "lanxeirinhas", "xalgadinhos" gordurosos, "xuquinhos" em pó cheios de química (e tudo escrito errado com "x"). 

Agora, a "rainha do baixinhos" quer proteger a sua baixinha da crueldade da mídia, a mesma mídia vazia, espetaculosa e consumista da qual Xuxa é a perfeita tradução.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Sheik é homem


Existem muitas diferenças entre homens e machos. 

Homens são, como o próprio nome diz, da espécie humana, enquanto machos são seres hominídios com pênis entre as pernas. Homens não se apegam a rótulos sexuais pois são, acima de tudo, humanos. Já aos machos não é possível atribuir a condição de humanidade porque eles agem por um instinto violento, em geral com mais testosterona nas veias que sinapses nos cérebros.

Homens fazem amor e sexo, enquanto os machos apenas se satisfazem, quase estuprando a parceira sem sequer se dar conta de que há um outro ser humano na relação. Homens são sensíveis e gentis; machos são ogros e grosseiros. Homens se preocupam com a boa aparência; machos chegam a ser negligentes até com a higiene pessoal. Homens não se importam sobre a sexualidade dos outros porque cada um é como é, mas os machos adoram dar porrada em uma "frutinha".

O atacante do Corinthians Sheik é um homem, tão homem que não viu problema algum em dar um selinho em um amigo na comemoração de uma vitória. Já os cinco hominídeos que protestaram hoje contra o jogador, com faixas ridiculamente homofóbicas, são apenas machos, incapazes de enxergar a vida além de sua cela de ignorância, onde se aprisiona em verdades absolutas e total falta de reflexão.

Homens podem beijar homens, sem trauma algum. Por brincadeira, por carinho ou também por amor. Porque homens têm coragem de se assumir quando amam outros homens, assim como sabem amar uma mulher quando gostam do sexo oposto. Já os machos não sabem amar ninguém, nem a si próprios, pois muitas vezes escondem sua própria condição sob seus atos violentos.

Homens têm coragem para ser hétero, bi ou homossexuais. Machos são covardes, porque não são ninguém. Não são sequer gente...

domingo, 18 de agosto de 2013

Criança Esperança: tô fora!


Eu nunca doei um tostão para o Criança Esperança, nem doarei. E por um motivo muito simples: não preciso ter a Rede Globo como intermediária de minhas ações por um mundo melhor, nem acredito que uma emissora de TV que fez e faz tão mal ao Brasil e aos brasileiros tenha o direito de usar a palavra "esperança" para pedir alguma coisa.

A Globo foi a cara do regime militar, o veículo de comunicação que deu força à ditadura para manipular mentes em favor dos que torturaram, exilaram e mataram. A família Marinho construiu um império a serviço dos ditadores e a eles serviu, sufocando a verdade em seus noticiários. E permanece até hoje como um espaço de deformações de verdades, sempre em defesa de interesses da elite que representa, na política ou no poder econômico.

Como se não bastasse tudo isso, a Globo é acusada de sonegar um montante que já soma mais de 600 milhões de reais em impostos não pagos; impostos que poderiam ser usados para a saúde e a educação de crianças no Brasil. Para piorar, a Globo é também a maior beneficiária de verbas públicas em campanhas publicitárias de governos: para se ter uma ideia, de 2000 até hoje, foram 6 bilhões de reais jogados na emissora, dinheiro oriundo do meu e do seu bolso, através do governo federal.

Não, eu não dou um tostão ao Criança Esperança! Nem jamais doarei! Porque minha esperança não passa pela Globo. Prefiro ajudar crianças por meio de ONGs e de pessoas realmente comprometidas com a dignidade, com a honestidade e com o futuro. Prefiro ajudar crianças agindo sem atravessadores! E acredito que não se faz nada de bom sustentado em mentiras.

O plim-plim não tem nada de criança, tampouco de esperança.

Guilhotinemos os coronéis!

Paulo Gracindo, brilhante como Odorico
Os últimos chiliques de Joaquim Barbosa ofendendo um colega ministro do STF mostra que ainda somos um país acostumado aos desmandos de coronéis, onde a democracia engatinha, tendo muito a aprender para se consolidar verdadeiramente.

Fomos massacrados como nação por 20 anos de ditadura militar, um ciclo de governos de coronéis fardados, torturadores, assassinos e ainda impunes porque não foram julgados nem condenados pelos crimes que cometeram. Ironicamente, muitos desses coronéis continuaram nas várias esferas do poder- e eleitos democraticamente.

A ditadura acabou e entrou Sarney, o coronel proprietário do Estado mais carente em índices sociais, governado (e sugado) por uma única família há décadas. Depois, veio Collor, o coronel das Alagoas, inventado por uma mídia também comandada por coronéis metidos a intelectuais e donos da opinião pública.

O escândalo que se revela nas licitações de metrô e trens de São Paulo, dirigidas, superfaturadas e feitas sob conluios escusos entre empresas multinacionais e governos, escancaram um coronelismo de duas décadas sob comando de um único grupo político que, tal qual a família Sarney no Maranhão, se acha dono de São Paulo, o Estado "moderno" mas tão atrasado quanto qualquer outro nas relações de poder. Atrasado ao ponto de ter um deputado coronel gospel, que comanda a Comissão de Direitos Humanos e nada mais faz senão ditar ódios e condutas "morais" através das leis.

Desde o ano passado, todas as instâncias coronelistas de poder do país (políticos, juristas, mídia e instituições diversas) se engalfinham em franca campanha eleitoral para 2014, cada um tentando destruir o outro da maneira mais rasteira possível (bem ao estilo dos jagunços do passado). Querem o poder de qualquer forma, mas nada dizem sobre seus projetos para o país, sobre o que farão se eleitos.

Tal qual o lendário Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes que retrata de forma perfeita o coronel brasileiro, as lideranças que disputam a joia da Coroa não conseguem sequer terminar uma frase que não seja repleta de "entretantos" sem chegar aos "finalmentes" como diria Odorico. Balbuciam, mas nada dizem de conteúdo.

Estamos repletos de Odoricos governadores, senadores, prefeitos, baluartes do Judiciário, empresários (e até chefes capatazes de empresários), donos de emissoras de TV, donos de revistas, donos de jornais. São todos candidatos a comandar o Brasil, mas com projetos que não transcendem os interesses próprios, pessoais, mesquinhos, egoístas.

Precisamos guilhotinar os Odoricos, em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade (emprestando o lema da Revolução Francesa, que cortou os pescoços da monarquia européia mas ainda não chegou por aqui). Enquanto não fizermos isso, nossa democracia será vazia como os discursos dos coroneis.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Só 7,8% acreditam na mídia


Uma pesquisa que acaba de sair do forno bate um dos últimos pregos no caixão da velha mídia em se tratando de credibilidade. O levantamento mostra que nada menos de 87,9% da população brasileira pensa que os veículos tradicionais de imprensa representam apenas os interesses de seus próprios donos, dos mais ricos e de políticos, enquanto só 7,8% acreditam que se defende a população nas páginas de jornais, revistas e noticiários de TV.

Os números foram levantados pela Mark Sistemas diante de 2.400 pessoas de 120 cidades brasileiras e são um duro recado às empresas de comunicação e não apenas a elas, mas também aos profissionais da área. Para se ter uma ideia do tamanho da desconfiança da população, só 18,6% acreditam que os jornalistas têm liberdade total para decidir o que é publicado.

O levantamento, feito para o Instituto Perseu Abramo, traz ainda traz um interessantíssimo contraponto à ideia de que o Ibope alto significa aprovação, já que 71% dos brasileiros consideram positivo haver regras mais duras para regular a programação da TV. Ou seja, não estão contantes com os abusos praticados pela telinha.

Seriam os números da pesquisa assustadores? Ou é a mídia que passou de todos os limites na defesa de interesses, que estão muito longe do respeito à verdade?

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Mazela privada


Carta Capital toca em um ponto muito interessante da saúde brasileira na capa deste fim de semana: o problema vai além do setor público, pois ele também está em empresas privadas que operam convênios. Não é só no SUS que se escancara a demora por atendimento e qualidade ruim: experimente precisar do plantão de um convênio mediano em um domingo e verá que pouco diferem.

Quando fui editor de jornal, fiz uma pauta abordando essa questão. Três repórteres se revezaram tentando marcar consultas para o setor público, para convênio e para atendimento particular. Foi um belo trabalho jornalístico. Chegamos a um abismo que separa o serviço particular pago por consulta das outras duas modalidades, tanto convênios quanto o SUS (no SUS, se constatou demora maior, claro, mas a diferença dos convênios não eliminava o descaso).

Quase fui fritado pelo setor comercial do jornal na segunda-feira, dada a pressão que empresas de convênio, anunciantes, fizeram por causa da manchete de capa que dei no domingo. Essa reação, aliás, explica por que muitos veículos da velha mídia não tocam no problema dos convênios: ora, eles investem no jornal, enquanto no setor público pode bater à vontade, pois é de todos e não é de ninguém.

Essa realidade não se vê apenas em empresas que prestam serviços na saúde, mas também na telefonia, internet, bancos ou operadoras de cartões de crédito. Você paga infinitas taxas a elas, mas tente ser bem atendido, tente falar com um ser humano do outro lado da linha que, além de despreparado, desparece após a primeira ligação e depois vem outro que sabe menos que o primeiro.

A mazela brasileira não é só pública. É muito privada!

Aprovação automática leva bomba


A expressão "no pain no gain", que significa "sem ônus não há bônus", ficou célebre na busca pela boa performance acadêmica, profissional, corporal... De universidades a empresas, passando por academias de musculação ou esportes competitivos, a ideia de que sem dedicação não há resultado ganha adeptos.  Entretanto, justamente na base educacional (e do Estado mais rico da federação, São Paulo), o "no pain no gain" foi dilacerado ao longo de anos, substituído pela aprovação automática dos alunos, tendo eles aprendendido ou não. 

Essa ideia do empurra-aluno começou com o governo Covas, se arrastou pelos seguintes e contaminou também o município de São Paulo, historicamente governado por demo-tucanos. A estratégia política se explica: aprovando o aluno automaticamente ao ano seguinte, mesmo que ele não tenha aprendido o suficiente, é uma forma de maquiar estatísticas de reprovação ou evasão escolar. O resultado, entretanto, são formandos semi-analfabetos.

Contra essa onda do bônus sem ônus (eufemistica e tucanamente batizada de progressão continuada), uma boa notícia está sendo divulgada hoje na maior cidade do país. Volta a valer no ensino municipal de São Paulo práticas como lição de casa, boletim com notas e a possibilidade de retenção do aluno que não aprender em cinco das nove séries do Fundamental (antes, só se podia reprová-lo em duas!). São medidas que, para mim, nunca deveriam ser dissociadas da educação, pois foi com essas obrigações -e na escola pública!- que eu aprendi a ler, a escrever, a me apaixonar pela literatura, pela história, pela filosofia, e a fazer ao menos os cálculos mais básicos.

Claro que a boa educação é um conjunto de medidas que não se resume às exigências sobre o aluno. Nada resolve exigir boas notas sem ensinar bem, sem ter professor comprometido, atualizado e que gosta do que faz. Mas o contrário (ensinar bem sem cobrar aprendizado) é igualmente ruim. Até porque, ao chegar ao mercado de trabalho, dificilmente haverá aprovações automáticas sem a contrapartida do mérito.

O governo Haddad fez bem, portanto, em bombar a aprovação automática demo-tucana. Mais importante que gente saindo da escola é gente aprendendo a ler, a escrever e a entender.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Capricho quer meninas de burca

imagem sxc
A distinção entre mulher de família para casar e vadias só para transar é coisa de um passado distante e machista, já superado em um tempo de maior igualdade de gênero, certo? Infelizmente, não. E o mau exemplo parte justamente da mídia que se incumbe (e se acha capaz) de formar opinião entre adolescentes.

A revista Capricho, da Editora Abril (a mesma da Veja), publica em seu site uma reportagem intitulada "Garotos contam", da qual o mote é justamente diferenciar as meninas que são "só para ficar" das que são "para namorar".

A postagem já começa imperativa e, claro, em tom de onisciência masculina: "Fiquem bem atentas para descobrir se aos olhos de nós, garotos, vocês são garotas pra ficar ou pra namorar! Não adianta o garoto negar: a gente faz, sim, distinção. O que vai determinar isso é ação de vocês em vários fatores". 

O manual de conduta do varão mirim da Capricho segue. Primeiro, descreve a garota "séria", "para namorar": "É aquela que apoia o garoto sempre, que está sempre ao lado dele dando carinho e atenção. Ela nunca vai deixar o cara. É ciumenta, mas no limite. Ela não sufoca!". Depois, lista as posturas condenáveis das "não sérias", que só servem "para ficar", ou seja, para usar e jogar fora: "É aquela que só quer curtir a noite e, assim que fica com um garoto, já sai fora [sic para o pleonasmo da revista] para ficar com outro. Assim não dá, né? Ela não aceita o garoto como ele é. Ela controla o cara. Ah, e se ela for vulgar demais, não rola nem para ficar".

O que a Capricho faz com a escolha desta pauta e a forma como a conduz (em via de mão única) só reafirma diante das novas gerações o que sempre foi imposto às mulheres, durante séculos: a submissão aos homens. Eles podem ditar as regras, elas não; eles podem controlar e ter ciúmes, elas não; eles podem transar com todas pois serão admirados pegadores, elas não pois se tornam vulgares execráveis. Além disso, a revista se apega a modelos pré-estabelecidos e moralistas, com a velha dicotomia entre certo e errado e entre quem manda e quem obedece.

Alivia-me o fato de a Capricho ser um do muitos títulos da Abril que rastejam rumo à morte do velho modelo de comunicação. Acredito, portanto, que a reportagem não retrata a realidade da maioria dos adolescentes, com cabeças muito mais abertas, conexões mais plurais e indiferentes às pautas ditadas como "verdades absolutas".

Não adianta a velha mídia vestir calças coloridas e usar linguagem juvenil em suas páginas, pois por dentro ela continua cheirando a mofo. Que o digital nos liberte das trevas!



terça-feira, 13 de agosto de 2013

Idiotômetro


Tente não ler as manchetes acima antes de lembrar os fatos: a Siemens, multinacional alemã, está colaborando com a Justiça em uma investigação sobre a formação de cartel (conluio) entre empresas (inclusive ela própria) e governos de São Paulo (Covas, Serra e Alckmin, todos do PSDB) em licitações que teriam sido dirigidas com pagamento propinas e superfaturamento. Há suspeitas de que mais estados e até a União (não há data especificada ainda sobre a esfera federal) estejam envolvidos e que o propinoduto tenha até irrigado a reeleição de FHC.

Agora, esqueça os fatos e leia as manchetes. Elas são dos baluartes da velha mídia brasileira: Folha, Estadão, Veja e G1 (Globo), todas desta terça-feira à noite, quando o governador Alckmin, numa clara tentativa de criar uma cortina de fumaça sobre as denúncias que lhe pesam, tenta se fazer de vítima da história, numa performance teatral digna do palco do Municipal. O que você achou, acometido de amnésia? Que Alckmin é investigado ou vítima? Vítima, certo?

Volte agora a lembrar os fatos. O que concluiu? Que a velha mídia rasgou a fantasia na tentativa de deformar os fatos? Pois é...

Desde que transbordou o escândalo do metrô, que fermenta há vários anos sob panos quentes dos barões da comunicação tradicional, a postura de jornais, sites e emissoras de TV da velha mídia fazem malabarismos para tentar poupar os velhos aliados tucanos. Colunistas que são ferozes críticos quando o alvo é outro fazem os mais risíveis raciocínios para tentar justificar o injustificável: que a corrupção quando imputada ao PSDB não é a mesma que se imputa a outros partidos. Ou seja, a corrupção dos tucanos é uma corrupção "boa".

Agora, um último exercício mental: diante de tudo isso, você acha que essa mídia é algum sinônimo de liberdade? Essa mídia faz jornalismo? Essa mídia defende algum tipo de interesse público? Essa mídia merece o seu respeito? Merece imprimir manchetes sem pagar impostos pelo papel? Merece soltar "plim-plins" recebendo fortunas de dinheiro público em anúncios oficiais? Pode nos fazer de idiotas, impunemente?

Pensou não? Eu também!

Robocop Gay para Feliciano


A inusitada reação de dois jovens diante da  presença de Marco Feliciano em um voo, dirigindo-se até sua poltrona, cantando e dançando o "Robocop Gay" dos Mamonas Assassinas, é muito interessante. Se, por um lado, configura brincadeira, por outro mostra maturidade. Alguns viram isso como um insulto ao político, intolerância às avessas e coisas do tipo. Eu adorei.

Justifico. Feliciano é um homem público, representa a população no Congresso Nacional (ganhando alto salário oriundo de impostos para tanto) e é para o país todo que deve dar satisfação de seus atos. Soma-se a essa condição sua postura desrespeitosa com segmentos da sociedade, como mulheres (a quem ele não quer garantir atendimento em caso de estupro), gays (que ele quer "curar") e negros (descendentes de uma "maldição", segundo ele). A dança foi, portanto, pouco, pois um ser tão intolerante não mereceria sequer ser eleito a síndico de prédio.

O mais interessante, porém, é que o engraçado protesto dentro da aeronave não foi feito por gays (como chegou a acusar o próprio Feliciano, se dizendo vítima de "assédio" de homossexuais). A explicação dos dois rapazes é uma aula de Estado de Direitos: "Há vários motivos que motivaram esse protesto, não só a causa gay. As declarações de Feliciano são uma violência para a sociedade em geral, não só para uma minoria", dizem. Ou seja, agiram indignados com a postura do deputado contra o direito de cada um ser o que é. E aí está o componente de maturidade.

Se queremos representantes políticos que não maculem a construção de uma sociedade livre e justa, temos de aprender a incomodá-los, sim. Com criatividade e bom humor, fica ainda melhor. E quando se age além do olhar apenas para o próprio umbigo, transcende-se para o sentido máximo da vida em sociedade: o respeito às diferenças e, mais que isso, a tomada de atitudes em favor delas. 

O Robocop Gay para Feliciano foi um show de cidadania.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A mulher além da púbis

O Nascimento de Vênus, de Botticelli
Não há um site de informação que se abra sem que se trombe na discussão mais acalorada do momento: os pelos pubianos de Nanda Costa, capa da Playboy deste mês. Confesso que não sabia quem era ela e, depois de bombardeado sobre todos os detalhes do seu "design" vaginal, descubro agora, pelo Google, que se trata de uma atriz de novelas da Globo.

A "polêmica" que se criou (para deleite da revista, que está agonizando junto com sua editora na crise do papel) é sobre os pelos a mais que haveria na púbis da tal Nanda. Ela não depilou as partes íntimas no mesmo "padrão" de outras ninfetas coelhinhas, daí que toda a nação está em polvorosa, tal qual ficou com Claudia Ohana pelo mesmo motivo.

Não vou comprar a Playboy estimulado por essa estratégia de marketing na qual toda a mídia embarca, tampouco me incomoda a maneira como Nanda se depila (ou não se depila). Mas, me intriga o fato de, em um dos momentos de maior revolução feminina no Brasil (onde as mulheres já são 51% do mercado de trabalho em áreas que exigem diploma superior), a discussão que se dá em torno delas em quase todos os veículos de comunicação é impondo um modelo de desenho de seus pelos pubianos.

Todo esse policiamento me remete à época do espartilho, que sufocava as mulheres obrigando-as a ter o abdômen perfeito, ou aos tempos em que o cabelo comprido era quase obrigatório, pois só homem podia escolher como cortar a cabeleira. Me remete até às burcas dentro das quais elas ainda precisam se esconder e torrar sob o sol do Oriente Médio, aprisionadas pelo machismo. E me faz pensar nos padrões de beleza de hoje, que obrigam as mulheres a serem todas magras, altas, com cabelo liso e quase todas loiras (ou seja, iguais).

Uma atriz, em pleno século 21, ter de explicar por que não se depilou no modelo "bigodinho de Hitler" faz lembrar o próprio nazismo, que impunha um modelo de viver, matando os que não o contemplassem. Aliás, o próprio padrão de "arte" hoje para a Rede Globo é, em si, um motivo de muitos lamentos.

Nas discussões sobre mais ou menos pelos representando um "ideal" de mulher, fico com as taturanas sobre os olhos de Frida Kahlo, mais femininas que quaisquer coelhinhas de púbis "perfeita" que apenas reproduzem a imposição dos machos dominantes.