quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Eleições: o buraco é mais embaixo

O debate de ontem e a campanha eleitoral como um todo mostram algo inegável, tanto à direita quanto à esquerda: o esgarçamento do modelo político brasileiro e a necessidade de novos caminhos que aproximem representantes e representados na nossa jovem democracia. 

Dos candidatos presentes ontem nos estúdios da Band, os dois cujos partidos já passaram pelo comando da República eram, de alguma forma, vidraça. Dilma, a maior delas, por ocupar o cargo mais importante de um governo que está há três mandatos no poder; Aécio, por representar dois mandatos do governo anterior e seu legado nada popular. Na tangente desse embate, surge Marina, que, mesmo sem uma proposta bem definida, ganha espaço como um "novo" que ninguém sabe entender direito, mas de qualquer jeito parece "novo".

O crescimento de Marina, que defende a fusão entre direita e esquerda e confunde oprimidos com elites; que quase ninguém conhece e cada vez mais gente ama, escancara a necessidade de reformar a política antes que ela se desintegre como alternativa à vida democrática, abrindo caminho aos ditadores sempre de plantão. A questão está além da estabilidade econômica arrogada pelo PSDB, a diminuição da desigualdade gerada pelo PT ou a sustentabilidade adaptada ao PSB. É a política como um todo que precisa ser discutida e isso necessita ser encampado por todos os partidos caso eles não queiram se misturar à geleia geral que levará todos ao mesmo abismo.

Não sejamos hipócritas! Vença quem vencer, precisará negociar com o PMDB de Sarney e com outras velhas raposas se quiser governar; precisará trocar cargos por apoios no Congresso se quiser ter projetos aprovados; precisará retribuir o que as empresas privadas e os bancos investiram nas suas campanhas; precisará ceder aos currais religiosos que ameaçam com pautas dogmáticas; e precisará jorrar dinheiro público na mídia para não ser fuzilado por ela. É essa engrenagem enferrujada, que foi utilizada tanto pelo PSDB quanto pelo PT, que precisa ser alterada e isso só será possível com o engajamento de toda a sociedade, hoje muito mais conectada com as teias digitais e, portanto, mais capaz de se engajar.

O que está em questão não é a permanência do partido X no poder, a volta do partido Y ou a chegada de um partido Z. A questão é se queremos ou não trilhar e desenvolver o caminho democrático, o único por meio do qual sociedades no mundo todo conquistaram o Estado de Direitos, a pluralidade de opiniões, o respeito às diferenças e as leis que permitem a convivência digna entre as pessoas.

Se queremos evoluir no sentido da liberdade, é hora de colocar em prática a tão falada (e nada praticada) reforma política. Só ela poderá parametrizar a fidelidade ideológico-partidária, acabando com a orgia de legendas de ocasião, banindo o financiamento privado de campanhas (tema que já está em curso, mas foi barrado no STF pelo mesmo Gilmar Mendes que soltou o médico-monstro-estuprador) e coibindo o fisiologismo parlamentar. É necessário acabar com a reeleição ininterrupta de vereadores, deputados e senadores que fazem da política uma sólida carreira profissional, muitas vezes sem nenhum compromisso com o interesse público. E é fundamental que se levantem as bases verdadeiras de um Estado laico, idealizado no século XVIII pelos iluministas na Revolução Francesa, mas que ainda não é totalmente claro na sociedade brasileira. Outro ponto é impedir que se mantenham monopólios midiáticos privados que fazem o papel de uma inquisição da opinião pública.

A questão, portanto, vai além de eleger Dilma, Marina ou Aécio. A questão é elegermos a democracia como um bem precioso do povo brasileiro, conquistada com luta e sangue e necessária para a vida com dignidade. Isso requer responsabilidade não apenas dos políticos-representantes, mas principalmente de todos nós, representados, que os escolhemos. O buraco é mais embaixo, e é problema nosso.

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