domingo, 19 de outubro de 2014

A morte dos jornais



A ombudsman da Folha, Vera Guimarães, revela em sua coluna desta semana uma obviedade que está levando os jornais e o jornalismo à morte no Brasil: o leitor pensa. 

Em texto que trata da saída de Xico Sá, um excelente colunista que foi impedido pelo jornal de declarar seu voto nas eleições presenciais porque isso "fere a imparcialidade da Folha", a ombudsman diz: "Qualquer leitor atento é capaz de identificar as preferências dos colunistas, escancaradas nas defesas que fazem de um determinado candidato ou nos ataques ao seu adversário".

Uau! Palavras dignas de um prêmio Esso ou quiçá um Pulitzer!

E ela vai além, admitindo que a Folha "tropeçou ruidosamente" nesta questão. Não apenas nessa e não apenas a Folha!

É evidente que os leitores são capazes de identificar o partidarismo dos jornais. E não apenas nas colunas assinadas, mas também na escolha de um tipo de pauta em detrimento de outras e no foco capcioso das manchetes, das fotos, das capas. Por isso o que se fez com Xico Sá é no mínimo hipocrisia porque sua opinião não é a mesma da família Frias.

A mídia tradicional (impressa, radiofônica e televisiva) agoniza, despencando em tiragens e audiência, não apenas porque o mundo digital a engoliu com maior rapidez, mas principalmente porque a internet descentralizou a verdade, possibilitando uma interação que os velhos veículos nunca quiseram dar aos seus leitores, ouvintes e telespectadores.

A velha mídia, com raríssimas exceções, só sabe fazer o "samba de uma nota só", tentando puxar toda a brasa noticiosa para sua sardinha partidária, aquecendo apenas os interesses de um punhado de famílias que sempre enriqueceu fabricando notícias para distorcer mentes e corações.

Enquanto essa máquina de moer verdades estava sozinha, ela ainda conseguia reinar. Levou Getúlio ao suicídio; ganhou com o golpe de 1964, que se voltaria até contra si mesma; elegeu Collor na primeira eleição direta após 21 anos de terror, conseguindo derrubá-lo logo em seguida. Depois da internet, entretanto, esse ciclo de vitórias vem se encerrando, porque o que se manipula nas folhas de papel se espatifa em um ambiente mais plural das teias virtuais. É um caminho sem volta, ainda que os barões da comunicação consigam, aqui ou acolá, alguma vitória.

A velha mídia já tem morte cerebral anunciada, e está levando para o túmulo o jornalismo tradicional. Ou alguém acha que a Globo é imparcial? Que a Veja é imparcial? Que Folha e Estado são imparciais?

Ora, imparcialidade não existe nem nunca existiu! A escolha da pauta já é parcial, a hierarquia das notícias já é parcial, a escolha da foto, da capa ou da manchete já é parcial. O que deveria existir, no lugar desse discursinho hipócrita da imparcialidade, é a honestidade em admitir posturas, em assumir lados, coisa que a velha mídia brasileira nunca fez nem nunca fará, porque acima de tudo é covarde.

Mas, voltando à "descoberta" da ombudsman, o leitor, o ouvinte e o espectador pensam, sim! E agora têm a internet para compartilhar pensamentos. Por isso, a velha mídia agoniza, num caminho sem volta para a tumba. E um novo tipo de jornalismo começa a ser possível, de mediação nas redes, de interação comunitária, de pluralidade e dialética. Para tanto, os jornalistas precisam aprender a trocar o puxa-saquismo aos seus patrões pelo amor em servir à liberdade de expressão.

Leia mais: Xico Sá, Folha e o que já vi na mídia

Foto: Fleming Photography/Shutterstock

Nenhum comentário:

Postar um comentário