segunda-feira, 30 de junho de 2014

Copa encanta, elite dá vexame


Diz o velho jargão que dinheiro não compra felicidade -e é verdade. Não fosse assim, não haveria tantos jovens nascidos em berço esplêndido buscando no excesso de álcool e nas drogas algum tipo de alegria que não encontram na "normalidade" de seu mundo "perfeito" -e vazio. Mas não é só a felicidade que não cabe nas prateleiras mercantis. A educação também está na lista.

A Copa do mundo no Brasil, um país onde há 500 anos se reservam os melhores bancos escolares e universitários aos que têm posses, é prova inconteste de que grande parte dos endinheirados anda muito, mas muito mal educada.

Começou já no jogo de abertura, quando a instituição da Presidência da República e a pessoa eleita democraticamente para ocupá-la (que é mulher, mãe e avó) foram achincalhados em coro e em baixíssimo calão. Duas semanas depois, veio mais: no jogo contra o Chile, enquanto a torcida chilena fazia seu show cantando o hino de sua pátria à capela, os brasileiros presentes retribuíram com uma retumbante vaia.

Que baixaria! Protagonizada por um grupo de pessoas pertencente ao topo da pirâmide social do país, com acesso aos melhores colégios particulares, aos certificados das melhores universidades e aos MBAs, além de toda etiqueta social possível.

Ora, de que vale conhecer o mundo e falar inglês fluente se no estádio grita um "vai tomar no c*" até diante de crianças? De que adianta saber se comportar à mesa e usar cada talher e cada taça se, para torcer pela sua seleção, é grosseiro e péssimo anfitrião, avacalhando até com o hino do país visitante?

Boa parte dos ricos e brancos que compõem as arquibancadas da Copa (90% são das classes A ou B e 67% são brancos, segundo o Datafolha) são um vexame diante das câmeras do mundo todo. Debocham do comportamento de quem faz churrasco na laje ou constrói "puxadinhos", mas não têm educação nenhuma nas suas áreas VIP. Pior: essa elite que, segundo excelente observação do jornalista Renato Rovai, é formada por "netos e bisnetos dos escravistas e filhos dos que apoiavam a tortura na ditadura", é um vexame histórico sempre a assombrar nosso futuro.

João Gilberto a cantou tão bem na figura da madame que "diz que o samba tem cachaça, mistura de raça, mistura de cor" e, por isso seria "música barata e sem nenhum valor". Cazuza foi mais contundente, dizendo que ela fede e, enquanto existir, não existirá a poesia.

Essa elite se imagina com bons modos, mas não aceita o outro em seu direito de pensar e agir, tendo completa intolerância ao diferente. Ela defende um Brasil "moderno" mas toca sininho para ser servida à mesa como nos tempos da monarquia, e reclama quando aparece uma lei garantindo direitos trabalhistas à sua empregada. Ela escracha o Bolsa Família, mas enriqueceu com o bolsa-juros da especulação financeira em tempos de 45% de Selic. Mantenedora das redações da velha mídia, ela criou um terrorismo informativo com o "imagina na Copa", alardeando o caos, mas hoje desfila hipócrita e vestida de amarelo pelos camarotes dos estádios, aproveitando o melhor do evento.

Ao contrário do que se previu, não são os aeroportos, nem os estádios, nem o trânsito, nem a segurança das cidades-sede que nos envergonham. Muito pelo contrário, tudo isso é surpreendentemente um sucesso e a Copa já foi eleita, por um júri de mais de cem jornalistas estrangeiros, a melhor de todas. O que nos envergonha é a casta dos bem nascidos, bem vestidos, abastados e titulados.

Felizmente, não é o branco desbotado do "vipismo" brasileiro nem o roxo ataúde da mídia nativa que chama a atenção do mundo, mas o colorido de um país diverso, hospitaleiro, belo e criativo. A Copa venceu, o Brasil venceu como sede da Copa e a vergonha se limita ao pequeno camarote dos que ainda se acham donos da Ilha de Vera Cruz.



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quarta-feira, 25 de junho de 2014

O "bom moço" posa de cafetão


"Carioca? Solteira? Louca para encontrar um príncipe encantado entre os 'gringos' que estão invadindo o Rio de Janeiro durante a Copa? Chegou sua hora. Mande fotos e por que você quer um gringo 'sob medida' para este e-mail: namoradaparagringo@globomail.com". São palavras de Luciano Huck postadas em seu perfil no Twitter e no Facebook, retiradas logo depois de enorme reação negativa de quem o segue. 

Sim, o mesmo Luciano Huck que, quando o jogador Daniel Alves foi agredido moralmente com uma banana jogada ao gramado de estádio europeu, lançou camisetas à venda, buscando faturar com o episódio de racismo escancarado. E o mesmo Luciano Huck que, ao lado de sua esposa loirinha-ex-apresentadora-de-programa-infantil, estampou a capa da revista Veja sob o título "A reinvenção do bom-mocismo - Angélica e Huck formam um casal perfeito para um mundo politicamente correto".

Pois o "bom moço" que vende bananas estampadas em camisetas achando que, assim, vai acabar com o preconceito racial no mundo, também faz o cafetão em tempos de Copa do Mundo no Brasil. O "bom moço", que arranca lágrimas de espectadores com seu programa de auditório, reformando casas simples e explorando a desgraça de pessoas pobres para gerar ibope e altíssimos patrocínios, se presta também ao papel de gigolô tupiniquim diante da "realeza" gringa.

A atitude de Luciano Huck é a perfeita tradução de uma elite brasileira tão rica e tão pobre. Rica em dinheiro e bens materiais oriundos da desigualdade social gritante, mas pobre de cultura, pobre de valores, pobre de respeito ao outro, pobre de alteridade, pobre de dignidade, pobre de ética, pobre de sustentabilidade e até de humanidade. Uma elite colonizada e com pensamento escravocrata, que imagina um mundo comandado por varões brancos donos da verdade e de muitos súditos.

A postagem ao estilo cafetão do apresentador de auditório global, inventor da Tiazinha e da Feiticeira -objetos sexuais para satisfazer a tara de adolescentes-, escancara um pensamento de séculos passados, da mulher desprovida de autonomia que deveria ser entregue a um marido como uma propriedade. Na cabeça de Huck, um grande partido para as cariocas solteiras é encontrar um gringo rico que as compre como se compra uma boneca inflável, tal qual os senhores de engenho compravam os escravos, tal qual as famílias patriarcais do passado entregavam suas filhas a maridos escolhidos pelo pai.

O azar de Huck é que ele usou a mídia do presente (e do futuro) para postar sua visão arcaica, e acabou tropeçando nos novos tempos. O "bom moço" da Veja mostrou que tem dons de macho cafetão. Que mico! 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Não seja cínica, Folha!



Com o sucesso da Copa reconhecido mundialmente, o jornal “Folha de S.Paulo” tenta atribuir apenas à mídia internacional a culpa pelo pessimismo exagerado nas reportagens que antecederam o Mundial. “Prenúncio de que Copa seria o fim do mundo não aguentou três dias”, diz reportagem do jornal da família Frias, publicada esta semana, citando previsões apocalípticas de veículos de imprensa da Alemanha, dos EUA, da França, da Inglaterra, entre outros.

Sim, é verdade que jornais estrangeiros foram bastante críticos e pessimistas, usando da velha visão distorcida sobre o Brasil, mas eles não foram os únicos. A Folha esqueceu-se da autocrítica necessária neste caso, pois ela foi uma das principais trombetas do apocalipse e, mais que isso, ajudou a pautar veículos internacionais.

Mas, já que a Folha tem memória seletiva, eu naveguei pelo seu arquivo de manchetes com o tema "Copa" num pequeno período, entre 1º de maio e 1º de junho, e abaixo está uma prova inconteste: um mês inteiro em que as notícias sobre o evento foram, praticamente sempre, negativas. O requinte de pessimismo invadiu até a coluna de Horóscopo e o caderno infantil - a Folhinha.

COMO SERIA COPA, SEGUNDO A FOLHA (manchetes de 1º de maio a 1º de junho)


- “Escolas fecham para jogos e deixam pais em apuros” (1/6);

- “Sob um astral um tanto instável o mês das festas juninas e da Copa do Mundo” (1/6, no Horóscopo);
- “Sedes atraem prostitutas adolescentes” (1/6);
- “O temor de que os protestos anti-Copa possam interromper os negócios movimentou o mercado de gestão de risco” (1/6);
- “Copa deve manter em baixa produção das indústrias” (31/5);
- “Protestos, tumultos e feriados da Copa podem estar minando a confiança de parte do empresariado nos negócios até julho” (29/5);
- “A 14 dias da abertura da Copa, cinco temas em pauta no Brasil geram preocupações na Fifa” (29/5);
- “A 15 dias da Copa, o Brasil investiu só 3% do planejado para melhorar as condições de atendimento ao turista” (29/5);
- “‘Banheiros são fedorentos’, diz ministro do TCU” (28/5);
- “Copa do Mundo é motivo de piada” (28/5)
- “O ambiente não está bom” (21/5);
- “Nem todo mundo está ansioso para vestir a camisa da seleção e torcer para o Brasil na Copa. Inúmeros protestos contra a realização do Mundial pipocam por diferentes cidades” (17/5, na Folhinha!);
- “A perda de popularidade da Copa já fez algumas empresas desembarcarem de projetos ligados ao evento” (17/5);
- “As vendas maiores de TVs para a Copa não impediram o comércio de registrar um desempenho ruim em março” (16/5);
- “Brasil vai passar vergonha” (16/5);
- “Governo é refém de movimentos sociais” (15/5);
- “Pré-Copa do Mundo, os astros estão em guerra no céu do Brasil” (12/5, de novo no Horóscopo);
- “A 35 dias da Copa do Mundo, o país voltou a ter uma série de manifestações, relacionadas direta ou indiretamente com o Mundial” (9/5);
- “Lojistas da 25 de Março temem encalhe após Copa” (9/5);
- “Seleção é a mais inexperiente desde 1950” (8/5);
- “Rio pode ficar sem 116 veículos que seriam usados na segurança da Copa” (8/5);
- “Só 3 das 12 cidades-sede concluíram obras de energia para o Mundial” (7/5);
- “De avião, mas com atraso” (5/5);
- “Terminal será inaugurado incompleto em Cumbica” (4/5);
- “Via saturada vai se tornar a avenida da Copa em São Paulo” (4/5);
- “Às vésperas da Copa, autoridades se preocupam com a radicalização de movimentos" (2/5);
- “Internet não funcionará direito em 6 estádios do Mundial” (1/5);
- “Os seis estádios com problemas” (1/5)


Um detalhe importante é que, neste período, houve apenas uma (sim, uma!) manchete positiva sobre o evento, informando que os gastos totais da Copa eram comparáveis aos de apenas um mês em educação;

Outro detalhe também importante é que não foi apenas a Folha a alardear o caos entre os jornais brasileiros. Para citar só dois exemplos marcantes, o Estadão, sem revelar fontes, chegou a dizer que haveria uma parceria entre black blocs e o PCC para atacar o terror em lugares públicos. A Veja fez uma capa, “baseada em cálculos matemáticos”, prevendo que os estádios só ficariam prontos em 2038.

O fato inconteste é que, mais uma vez, a mídia perdeu ao retratar um país muito pior do que é. Fica evidente, cada vez mais, o descompasso entre as pautas dos velhos meios de comunicação e a verdade factual. Pior que isso é o fato de essa velha mídia não assumir seu erro, tentando achar explicações que estão longe do seu próprio umbigo repleto de arrogância, uma postura que ecoa de um tempo em que as folhas de papel e um hegemônico canal de televisão eram as vozes únicas da comunicação de massa. 

Assim, o jornalismo é golpeado por interesses que se colocam acima do interesse público, e o direito constitucional à informação fica à mercê de uma elite ainda acostumada a métodos feudais. O lado bom da história é que, nas mídias sociais, multiplica-se uma nova comunicação que, se é caótica por um lado, é muito mais plural, por outro - tão plural que é capaz de colocar em xeque os velhos jornalões.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Maestro soberano, por ele mesmo




Quando nasci veio um anjo safado, o chato dum querubim, e decretou que eu tava predestinado a ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim.

Minha mãe embrulhou-me num manto. Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher me ninava cantando cantigas de cabaré.

O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano. Sou artista brasileiro.

Corro atrás do tempo. Vim de não sei onde. Devagar é que não se vai longe. Eu semeio o vento na minha cidade, vou pra rua e bebo a tempestade.

Eu faço samba e amor até mais tarde. E tenho muito sono de manhã.

Não se afobe não que nada é pra já! O amor não tem pressa. Ele pode esperar em silêncio. Num fundo de armário. Na posta-restante. Milênios, milênios. No ar.

Minha mãe sempre diz: Não há dor que dure para sempre! Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos, sempre estamos. 

Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. Roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião. O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração. 

Porém ainda é melhor sofrer em dó menor do que sofrer calado.

Mesmo com o todavia. Com todo dia. Com todo ia. Todo não ia. A gente vai levando.

Inda pago pra ver o jardim florescer, qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa. Amanhã há de ser outro dia.

Sonhar um sonho impossível. Lutar, onde é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender. Romper a incabível prisão. Voar no limite improvável. Tocar o inacessível chão! É minha lei, é minha questão, guiar este mundo, cravar este chão.

E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz. 

Meu Deus, vem olhar. Vem ver de perto uma cidade a cantar. A evolução da liberdade. Até o dia clarear.

No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, correndo no escuro, pichado no muro... Você vai saber de mim.

PS: É tão difícil achar palavras para descrever Chico Buarque. Por isso, tentei buscar nas suas próprias poesias algumas marcas de sua genialidade.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O c* e a quem falta educação

Depois da minoria branca, cheirosa e rica que tem dinheiro para ir até a ala vip da abertura da Copa e, de lá, mandar Dilma "tomar no c*", é a vez dos que não podem pagar tanto mas compartilham, em êxtase pelas mídias sociais, o coro dos bem-nascidos que arrotam discursos por um país moderno porém agem no campo da barbárie e da truculência.

O que se quer é mais educação, mais ética, mais honestidade? Que tal começar praticando tudo isso?

Será que esse pequeno coro do estádio e seus ventríloquos digitais não tiveram mãe e pai para ensinar que é feio mandar alguém "tomar no c*", ainda mais em público -e, no caso, diante das câmeras vistas por bilhões de pessoas pelo mundo? E aos seus filhos, que exemplo querem dar? O de ofender o coleguinha ou a diretora da escola de que não gostam, tornando-se trogloditas quando adultos?

“Ah, mas a Dilma é péssima presidente, seu governo é medíocre e eu odeio o PT”, dirá o defensor do xingamento. Ora, já ouviu falar em democracia representativa, cara pálida? Já usou o dinheiro que lhe sobra para ler alguma obra iluminista; entender que a Idade Média acabou e a Revolução Francesa trouxe luz à relação entre o Estado e as pessoas? Já pensou que seu poder é muito maior e mais válido nas urnas e nas ações que pode encampar como cidadão do que vomitando palavras chulas num estádio?

Eis uma reflexão a se fazer num país que clama por melhor educação: será que bastam os diplomas de quem pode pagar caro por eles nas melhores grifes universitárias? Ou será que precisamos ensinar, principalmente à nossa elite (e aos que se acham como tal), o mais básico para uma civilização: o respeito à integridade do outro, à opinião do outro, aos direitos do outro, com senso de democracia, coletividade e sustentabilidade? 

Ontem, enquanto na ala vip do estádio de mármore se gritava “vai tomar no c*”, pela periferia (onde nascem os craques do futebol) se gritava “goooooooolllllllllllllllll”; enquanto a elite que se acha pensante misturava futebol com política, as pessoas simples aproveitavam o jogo para torcer por sua seleção; enquanto os diplomados e especialistas partiam para agressão, os que trabalham duro para pagar os estudos se abraçavam em festa. Quem precisa de educação?