Na quinta à tarde eu falava com Reinaldo Bulgarelli, uma referência em estudos sobre a diversidade humana no Brasil, que já trabalhou em projetos da Unicef e presta assessoria para empresas gigantescas focando a aceitação das diferenças no ambiente corporativo. Estou usando seu livro, "Diversos somos todos", nas aulas que dou de Comportamento Organizacional no Senac e consegui encontrá-lo pelas mídias sociais para marcar uma entrevista, que pretendo usar num material que publicarei sobre o tema. Ele terminou a conversa com uma frase animadora: viva a diversidade!
Em fatos concretos noticiados no mesmo dia da nossa conversa, entretanto, a tal diversidade que enaltecíamos era brutalmente ferida. Em um dos casos, em comentários sob uma afetuosa e bela foto que uma garota negra publicara com seu namorado branco no Facebook, escancarou-se o esgoto humano, tão fétido quanto o que estava para ocorrer logo mais, à noite, no jogo entre Grêmio e Santos, em Porto Alegre.
No caso da foto no Facebook, a violência foi escrita, em expressões como "Onde o rapaz teria comprado a escrava?", "O casal parece que está na senzala" e "Se mexer vira Nescau"; no estádio em Porto Alegre, foi desferida em palavras faladas, como "macaco" e "negro fedido", para ofender o goleiro Aranha, que é negro. Em ambos os casos, escancara-se um horror que sobrevive em pleno século 21, em plena era da globalização dos povos, mesmo com todas as teias digitais capazes de nos conectar com (e nos ensinar sobre) todos os tipos de diferenças.
Os ecos da escravidão são tão vivos quanto estridentes em nossa sociedade. Três séculos depois da chegada de navios insalubres com negros acorrentados para serem vendidos como mercadoria e chicoteados para trabalhos forçados, torturas e horror; e cento e vinte e seis anos depois da assinatura da lei que os libertou, ainda somos um país de Casa Grande e Senzala, como bem trabalhou tal tema o escritor Gilberto Freyre.
Em uma época que clama por sustentabilidade entre todos os seres que habitam a Terra, ainda existe, no mundo todo, quem acredita que alguns nascem para servir e outros para serem servidos; alguns nascem para comer, outros para serem devorados; alguns nascem para sofrer, outros para curtir os frutos de seu sofrimento. Tudo o que já aprendemos e ensinamos sobre a necessidade de aceitar o outro não bastou, pois aberrações acontecem todos os dias, protagonizadas por pessoas que, ao contrário da selvageria que demonstram ter, vivem muito bem, se alimentam muito bem e têm acesso ao que a sociedade produz de melhor.
Estamos órfãos de um enfrentamento real de todos os tipos de preconceito, que comece na educação e ecoe nas mais altas esferas do poder representativo. Estamos carentes da coragem de encarar esse tema sem nenhum tipo de concessão. Estamos covardes diante de um assunto que precisa estar presente e trabalhado claramente, sem subterfúgios ou eufemismos, sem "cuidados" preconceituosos, em todas as fases da vida educacional, da primeira infância ao último dia de vida: a diversidade e todas as suas ramificações.
É normal ser negro ou branco, ser hetero ou homo, ser travesti ou transgênero, ser religioso ou ateu, ser artista ou matemático, ser espontâneo ou inibido. O que não é normal é se achar mais normal que os outros. Volto a Bulgarelli para citar um aspecto de seu lindo trabalho: abraçar a diversidade não é incluir os diferentes em um grupo de "normais", porque todos somos diferentes uns dos outros. E é na diferença que está a nossa riqueza e nosso maior patrimônio: nossa essência.
Se queremos sobreviver à era da sustentabilidade, precisamos aprender e ensinar o valor da diversidade e enfrentar sem nenhuma reserva todas as manifestações de preconceito. Ou morreremos junto às matas que queimamos, ao mar que poluímos e ao ar que pintamos com a fumaça da nossa nuvem individualista, egocêntrica e arrogante.
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