terça-feira, 14 de outubro de 2014

Xico Sá, Folha e o que já vi na mídia


Xico Sá, um dos poucos bons colunistas que restavam na Folha de S.Paulo, deixou o jornal ontem porque foi proibido de publicar um texto declarando seu voto em Dilma. Poderia até ser um fato aceitável à luz do jornalismo se a regra valesse para todos em um jornal verdadeiramente imparcial, mas não é o caso da Folha, nem de quase toda a velha mídia brasileira.

No mesmo jornal onde Xico Sá escrevia, Reinaldo Azevedo, um colunista de extrema direita com um histórico de intolerância em seus textos (com nuances machistas, homofóbicas e de um elitismo ímpar), declara quase diariamente seu partidarismo político, inclusive já tendo revelado seu voto- ele e um time de colunistas alinhado a um pensamento único, sem espaço para a dialética. Também na mesma Folha, Aécio Neves, o próprio candidato, mantinha coluna fixa semanal até as vésperas da eleição; José Serra tinha também espaço reservado semanalmente até as vésperas da eleição passada; e Fernando Henrique Cardoso também escrevia até pouco antes de se eleger. O privilégio, entretanto, não valia para outros candidatos fora do PSDB.

Eis um câncer a ser extirpado da velha mídia brasileira, que macula a democracia e está matando o jornalismo, dia após dia, principalmente em época de redes digitais onde a diversidade de opiniões é livre: a falsa imparcialidade somada a uma intolerância crônica ao debate verdadeiramente plural. Ora, se Reinaldo Azevedo pode apedrejar a esquerda diariamente, aclamando os barões da direita, por que Xico Sá não poderia mostrar um outro lado, deixando ao leitor o pleno direito de pensar e decidir entre os dois lados? Mas, não! A Folha só tem um lado, assim como impede que o outro apareça em suas páginas. É um monólogo antijornalístico, uma autocensura declarada.

"Um dia ainda vou contar tudo o que a imprensa não deixa sair se for contra a orientação política dos grandes jornais", escreveu Xico Sá em sua conta no Twitter, ontem. Deveria já ter revelado, pois faria muito bem à opinião pública, que hoje não precisa mais dos velhos jornalões para se informar (a internet é um novo mundo!). 

Pois eu também já vi muita coisa ruim nos anos em que trabalhei e convivi diariamente com colegas que trabalharam em veículos de imprensa. Coisas que me fizeram deixar essa área. E elenco algumas:

- Cancelamento da publicação de uma pesquisa eleitoral que havia sido encomendada pelo jornal, mas cujo resultado não agravada ao dono, que votava em outro candidato;

- Ordem para entrevistar o deputado-candidato Fulano (tucano, claro) porque era "amigo do jornal". Mas, "e os outros?". "Os outros, não", era a resposta;

- Orientação vinda de cima para falar bem do prefeito porque ele mantinha a veiculação da publicidade oficial da Prefeitura no jornal, o que rendia dinheiro (público) à empresa;

- Orientação vinda de cima para bater no prefeito porque ele resolveu abrir licitação para que outros veículos disputassem a publicidade oficial da Prefeitura no jornal, o que deixaria de render dinheiro (público) à empresa;

- Ordem para só entrevistar anunciantes, excluindo não-anunciantes (ou seja, pagou sai; não pagou, não sai).

São apenas alguns exemplos que, junto a vários outros, foram suficientes para eu não querer pisar numa redação, nunca mais, até porque manter-me nesse ambiente custaria abdicar de todos os meus valores. Como educador, hoje, procuro orientar meus alunos a sempre ter olhos críticos diante dessa fábrica de mentiras chamada mídia.

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