quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Eduquemos para a liberdade, igualdade e fraternidade



O atentado terrorista que matou dez jornalistas e dois policiais na França choca a humanidade. Bem no país cujo lema “Liberté, Egalité, Fraternité” (liberdade, igualdade, fraternidade) inspirou o mundo aos ideais republicanos e ao Estado laico, uma dezena de pessoas que apenas usavam seu direito de expressar acabaram executadas friamente por uma motivação radical religiosa. E, em pleno século XXI, ficamos todos chocados diante da exacerbação da barbárie.

Não foi a primeira e, infelizmente, não deverá ser a última vez em que o fundamentalismo faz vítimas. Desde os primórdios da humanidade, mata-se cruelmente em nome de crenças irracionais das mais diversas, seja em rituais, na Inquisição, nas Cruzadas, nas tantas caças às “bruxas” e aos “bruxos”. E isso não se resume ao passado. Houve até um caso recente aqui no Brasil, na cidade de Guarujá, em que uma mulher foi linchada até a morte vítima de boatarias sobre ser uma “bruxa”. A questão que nos fica é: até quando seremos alvo de tanta estupidez?

A nós, educadores, cujo ofício é interagir sobre o conhecimento, a lógica e a razão, inspirando senso crítico, essa questão fica ainda mais pertinente. E desafiadora.

Estamos diante de uma humanidade extremamente tecnológica, que dividiu o átomo, já pisou na Lua e está prestes a pisar em Marte, mas que ainda não consegue entender a si própria, não se conhece suficientemente bem e tem ainda mais dificuldades de entender a diversidade que há nos grupos à sua volta. Soma-se a isso um individualismo gritante que desumaniza as relações... e tem-se um cenário perfeito para a proliferação de radicalismos que levam a atos violentos.

O que fazer senão educar, educar e educar?

Pergunto isso porque não vejo outro caminho no sentido da construção de seres humanos melhores. E porque creio ser a educação o único palco para a compreensão da complexidade da vida, para o entendimento do que se conhece à luz da lógica, para a aceitação do que ainda não se conhece e está nas lacunas do mistério e para o respeito a todos os tipos de crença e fé (ou da opção pela “não-crença”).

Acredito numa educação que não seja apenas um laboratório para formar bons profissionais. Claro que esta é de extrema importância, mas antes de profissionais precisamos formar pessoas, gente que respeita sua própria humanidade, sua própria natureza, sabendo entender seus desejos e concretizar seus sonhos. Além disso, gente que respeite outros tipos de gente e todas as diferenças que há nas mentes e nos corações dos outros, nos seus corpos, nos seus desejos, nas suas atitudes, nas suas escolhas, nas suas opções, nas suas crenças e nos seus sonhos.

Estamos carentes dessa educação. O tecnicismo e o ensino voltado a conquistas individuais, refém da competição do “deus mercado”, reduziu, em muitos casos, o papel do educador a um “treinador” de apertadores de parafusos. E muitos valores foram descartados nesse processo, principalmente o valor da diversidade, pois quando somos treinados apenas para competir e ganhar sozinhos, descartamos a compreensão do outro, de suas qualidades e de que, mais que dividir, pode-se somar diferenças.

Precisamos urgentemente abraçar a educação pela diversidade. Por todo e qualquer tipo de diversidade! Pois quanto mais ensinarmos, por exemplo, que todas as crenças, assim como a falta delas, são dignas de respeito, haverá menos chance de alguém atirar em um chargista apenas porque ele, no seu direito de não crer, fez humor do que para alguns é sagrado.  Se ensinarmos que são dignos do mesmo respeito o magro ou o gordo, o branco ou o negro, o homem ou a mulher, o hétero ou o homossexual, o cristão ou o budista ou o muçulmano ou o judeu ou o espírita ou o umbandista, certamente reduziremos o número de jovens humilhados e espancados nos tantos atos de violência hoje chamados “bullying”.

Ou seja, se ensinarmos pessoas a serem humanas de verdade, talvez possamos estar contribuindo com um mundo de menos intolerância e mais felicidade.

Então, que as mortes da França não nos desanimem nem nos desviem do sentido de acreditar no ser humano para os quais somos, de alguma forma, uma referência nas salas de aula. Pelo contrário, que nos encorajem a inspirá-los, acima de tudo, aos conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, que a própria França ensinou ao mundo.

LEIA MAIS sobre o caso: A matança é "divina"

imagem Shutterstock

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A matança é "divina"



Desde que o mundo é habitado por humanos, mata-se cruelmente em nome de Deus. 

O terrorismo que aconteceu na França ceifando a vida de 12 pessoas por causa de charges retratando o profeta Maomé em uma revista não é tão diferente do que se fez, no passado, nas fogueiras da Inquisição pela Europa, nas Cruzadas rumo ao Oriente ou na caça às "bruxas de Salém" nos EUA. Também não difere muito do que se faz ainda hoje, como a matança de crianças na Faixa de Gaza, a mutilação genital de mulheres na África ou os gays enforcados em praça pública no Irã... assim como espancados pelas ruas do Brasil.

Os jornalistas franceses mortos hoje, ou Joanna D'Arc queimada viva na Idade Média, ou ainda a brasileira Fabiane Maria de Jesus espancada até a morte no Guarujá no ano passado por ser alvo de boatos de "bruxaria", são vítimas de uma mesma motivação: a crença cega em um deus para o qual tudo se dá, tudo se teme, tudo se conquista e tudo se subordina, sem nenhum senso crítico, sem nenhuma humanidade, sem nenhum amor ao próximo.

Sim, é um absurdo o fundamentalismo islâmico, da mesma forma que foi e ainda é um absurdo o fundamentalismo cristão de católicos ou protestantes, o fundamentalismo judeu, o fundamentalismo de qualquer religião ou seita, seja ela monoteísta, politeísta ou o escambau. Porque o fundamentalismo é um lixo, radical, irracional, intolerante e violento.

Em pleno século 21, depois de já termos pisado na Lua com perspectivas de chegarmos brevemente a Marte, não conseguimos sequer entender (e aceitar) os limites da ignorância que está em nossas próprias cabeças. Isso leva muitos a se escravizarem diante dos dogmas mais bizarros e estúpidos, na vã tentativa preencher o vazio de explicações sobre o mistério da vida, sobre de onde viemos ou para onde vamos. Então, na busca louca sobre o além-morte, não se vive, não se ama, não se compartilha. Só se odeia.

A espécie humana, que se arroga o direito de escravizar outras espécies, poluir o ar, levar esgoto aos mares e transformar a Terra numa estufa rumo ao caos, é tão estúpida que ainda não entendeu que jamais haverá um mundo em que todos pensam igual, agem igual, tem gostos iguais, preferências iguais, escolhas iguais. E que é nessas naturezas diferentes que está a magia da sobrevivência, além de ensinamentos sobre a grandeza da existência.

O atentado de hoje só comprova que, a despeito de tantas velas acesas a divindades, ainda rastejamos na escuridão e carecemos de responsabilidade para encarar a vida terrena, que não é fácil nem mágica, mas é concreta e de direito inviolável a cada um que nasceu e nascerá. E, acima de tudo, pode ser bela, se tivermos coragem de fazê-la assim.

É um absurdo supor que se possa chegar a qualquer compreensão de deus ou de um criador sem praticar a humanidade que há dentro de cada um de nós.

(imagem sxc)