quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Queda livre


A notícia que mais me assustou esta semana e deixou um amargo na boca difícil de engolir é de um pai que pulou da janela do seu apartamento, no 13º andar, com o filho de apenas seis anos no colo, sequestrando a criança para uma queda livre rumo à morte trágica, insensível aos gritos de "Papai, não!".

O "motivo", segundo as notícias que leio, teria sido uma briga com a esposa, contra quem o pai, um professor (justamente quem deveria ensinar), dera um soco capaz de quebrar seu maxilar. Mas, não! Claro que isso não foi motivo! Não há nenhum motivo que justifique uma atitude monstruosa desse tipo.

Não sou dos que acham que a humanidade está pior que em tempos passados e abomino frases como "este mundo está perdido", relacionando as aberrações humanas às liberdades conquistadas no âmbito do comportamento. Em eras remotas, quando as pessoas eram controladas por rígido comportamento moral e religioso, matava-se cruelmente em nome de Deus, em rituais assustadoramente bizarros.

Cada tempo tem seu fel. E um dos maiores amargos da atualidade certamente é um individualismo frenético e assustador. O conviver vem sendo trocado, em todos os âmbitos, pelo vencer, pelo ultrapassar, pelo superar os próprios limites e sair apressado com vantagem sobre tudo e sobre todos. As palavras de ordem, ditadas na rapidez do "tempo real", são protagonismo, liderança, sucesso, corpo perfeito, olho-por-olho-dente-por-dente, justiça com as próprias mãos, eu, eu, eu, eu, eu, eu e mais ninguém que impeça meu triunfo (nem que esse triunfo seja um mergulho para a morte, desde que o "eu" agarre o prêmio em seus braços, vencendo de alguma forma e deixando em desvantagem quem fica)!!!

Em um tempo dominado pela primeira pessoa do singular, não se aceita dividir, tampouco perder. E quando essa loucura chega ao seu limite, prefere-se a morte ao risco de perder o papel principal, de protagonista.

Precisamos, urgentemente, parar de olhar para o próprio umbigo e lembrar que, por nove meses, esse buraquinho símbolo do nosso ego dependeu de alguém que nos doou seu próprio corpo como abrigo e abdicou de tantos projetos pessoais por nós. E, ao longo da vida, dependeremos de muitos, assim como tantos outros dependem de nós num contexto de convivência, trocas e eterno aprendizado.

Precisamos, também, desacelerar, pois senão entraremos na paranoia de atropelar todos que cruzarem nosso caminho. Porque quando atropelarmos, perdemos a oportunidade de trocar com eles e elas o sabor de viver sem precisar disputar uma corrida frenética que muitas vezes nos leva ao chão e ao silêncio eterno.

Precisamos aprender que a vida não nos pertence, nem a nossa, nem tampouco a das outras pessoas ou seres. Porque, um dia, teremos de devolvê-la e nenhum bônus será dado pelo excesso de orgulho, pela supremacia de ser "o melhor" e de ter ultrapassado todos na corrida maluca da "excelência" material. 

Precisamos aprender a deixar viver, e essa não é uma escolha, mas um dever lógico porque estamos de passagem e nascemos nus e completamente frágeis, iguaizinhos a todo mundo. E capazes de amar.

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