segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O beijo gay


Assisti ao beijo gay da novela global e vi com a melhor das surpresas os lábios de dois atores homens se tocando em uma representação repleta de carinho, afeto e em um contexto de família, os filhos indo para a escola, o pai sendo cuidado na mesma casa, a vida "normal" que também é "normal" entre os diferentes...

Não imaginava que a Globo, que adora exagerar nas cenas eróticas entre héteros, enfim permitisse um beijo gay. Para mim, então, foi, sim, um marco da teledramaturgia, mas que representa muito mais um amadurecimento da própria sociedade brasileira diante do tema diversidade sexual do que uma revolucionária ousadia global.

A Globo teve inúmeras outras chances de exibir um beijo gay. Foi cobrada por isso por muitas entidades representativas deste público, mas a emissora nunca o fez e, se fez agora, é porque sabia ter respaldo de grande parte da plateia. Aliás, mais que isso: em um tempo de mídias sociais e comunicação descentralizada, praticamente não havia escolha, pois ou a emissora se atolava ainda mais no seu conservadorismo retrógrado e hipócrita, ou dava um passo à frente.

A evolução do personagem Félix é um exemplo disso. Ele nasceu vilão na trama. E um vilão repleto das mais sórdidas atitudes para prejudicar pessoas. Apesar disso, o trabalho magistral de Mateus Solano e certamente um esgotamento do público diante da dicotomia entre mocinhos e bandidos fez de Félix um herói às avessas, um tipo de Jack Sparrow que não tem nada de certinho mas muito de cômico. Tanto que a trama não caminhou para um final previsível e comum, com Félix sendo castigado. Em vez disso, a saída foi sua regeneração ética, conquistada através do amor de outro homem.

Foram os telespectadores que quiseram um Félix humano. Nem bom, nem mau, apenas humano, que fala as verdades mesmo quando elas doem, não nutre um olhar fantasioso da vida e carrega traumas, feridas e o monstro que todos temos dentro de nós, sempre à espera de o ativarmos ou de aprendermos a domá-lo em respeito ao próximo e à vida em sociedade.

É claro que religiosos fundamentalistas, reacionários hipócritas e moralistas de plantão continuarão a jogar pedras, acusando a Globo de "transgredir os bons costumes e os ditames de Deus" ao mostrar dois homens que se amam fazendo aquilo que pessoas que se amam fazem (beijarem-se). Ora, o que esperar dos fundamentalistas? Eles não respeitam sequer seus iguais, castrando-os e os obrigando a normas de conduta absurdas em nome de uma divindade cruel e vingativa. Por que respeitariam os diferentes, que em outros tempos já queimaram em praça pública e continuam apedrejando até a morte ou enforcando pelo mundo afora?

Ainda há muito a se evoluir para que homossexuais sejam respeitados como seres humanos. E isso só mudará quando a educação, na família e na escola, ensinar que a diferença é normal, que cada um é livre para ser o que é e todos têm o dever de respeitar a natureza e as escolhas alheias. Entretanto, ver um beijo amoroso entre dois homens numa telinha que em geral só mostra bunda de mulheres-objetos tem um gostinho de "yes, we can".

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