quarta-feira, 17 de setembro de 2014

"Nanicos" salvam a democracia

Nos debates presidenciais deste ano está acontecendo algo curioso (como, aliás, está sendo curiosa esta eleição como um todo). Tal qual nos filmes do Batman, onde os vilões geralmente deixam de ser coadjuvantes para brilharem como as verdadeiras estrelas, candidatos chamados de "nanicos", aqueles que as pesquisas relegam ao limbo, estão dando show.

Ontem, no encontro promovido pela CNBB, foi a vez de Luciana Genro, do PSOL, a única a colocar luz na questão da corrupção, que existe desde que as naus de Cabral chegaram por aqui mas que, em toda a eleição, é tratada de forma parcial, hipócrita e distorcida pela mídia e por grande parte dos candidatos. 

Lembrando fatos com didática (e seu delicioso sotaque gaúcho), ela desconstruiu a retórica de Aécio Neves, que vociferava contra a "vergonha" que ocorre na Petrobras: "O senhor fala como se no governo do PSDB nunca tivesse havido corrupção, quando na realidade nós sabemos que o PSDB foi precursor do mensalão, com seu correligionário e conterrâneo Eduardo Azeredo. E o PT deu continuidade a essa prática de aparelhamento do Estado" (...) "Também foi pública e notória a corrupção que ocorreu durante o processo de compra da reeleição do mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso" (...) "Também foi público e notório o processo de corrupção nas empresas públicas que foram privatizadas, num processo conhecido como 'privataria tucana'. Então, o senhor, candidato Aécio, falando do PT, é como o sujo falando do mal lavado, porque o senhor é de um partido que tem promovido a corrupção, que tem inclusive se beneficiado dos financiamentos de campanha da mesma forma que o PT da candidata Dilma e do PSB da candidata Marina. As empreiteiras que fizeram o escândalo de corrupção da Petrobras são as mesmas que financiam a sua campanha, financiam a campanha da Dilma, financiam a campanha da Marina" (...) "O senhor é um dos políticos que tem vinculação com esses segmentos mais parasitários da política nacional".

A câmera voltou para Aécio que, nas cordas, tentou rebater, dizendo que a candidata estava atuando como linha auxiliar do PT. E, de novo, foi metralhado pela candidata. "Com todo respeito, 'auxiliar do PT' uma ova, candidato (...) O senhor não tem resposta para debater comigo sobre corrupção, até porque o senhor foi protagonista de um dos últimos escândalos (...) O senhor foi protagonista do escândalo do aeroporto, onde o senhor utilizou o dinheiro público para construir um aeroporto nas fazendas próximas das fazendas de sua família, inclusive entregou as chaves para o seu tio. Então o senhor é tão fanático das privatizações que consegue privatizar um aeroporto e entregar para sua família".

Num canal de pouca audiência e às altas horas da noite, certamente poucos viram ao vivo, mas o assunto hoje está bombando nas mídias sociais, onde a opinião pública realmente age em tempos digitais.

Assista ao trecho:



Não é a primeira vez que Luciana Genro ganha a cena. No debate anterior, do SBT, ela mirou sua metralhadora para Marina Silva, questionando a subserviência da candidata ao pastor Silas Malafaia: "Não durou 24 horas, Marina, e quatro tuítes do Malafaia, teu compromisso de combate à homofobia nas escolas. Não é possível. Os Direitos Humanos e sociais não podem ser restringidos. É preciso defender todos os que precisam de mais direitos". A pergunta de Luciana a Marina começou focando a questão econômica, e também de forma direta: "Tu és a segunda via do PSDB?", inquiriu a gaúcha.

Assista ao trecho:



Outro "nanico" das pesquisas que vem brilhando nos debates é Eduardo Jorge, do PV. Já no primeiro confronto, promovido pela Band, ele driblou a capciosa pergunta de Boris Casoy, que tentava atingir Dilma Rousseff, do PT, não perguntando a ela, mas a ele, sobre a lei de meios. Jorge não cai na armadilha e até a ironizou: "Então, sou obrigado a concordar com a presidente Dilma, respondeu Jorge. "Ficarei com a posição dela", completou, utilizando apenas frações do seu tempo de resposta. Questionado pelo mediador se já tinha acabado, ele deu de ombros e, de forma sui generis, disse: "Acabei".

Assista ao trecho:


Com essa performance nos debates, dois "nanicos" das eleições presidenciais deste ano (quem diria!) estão prestando um grande serviço à democracia, porque desmascaram o marketing político, cada vez mais poderoso na construção de imagens fantasiosas dos candidatos. 

Luciana e Jorge, cada um ao seu jeito, chamam o debate para a arena política, onde ele realmente deve acontecer, sem meias palavras ou representações que mais se assemelham às artes cênicas. A forma como suas palavras "viralizam" nas mídias sociais, a nova arena das comunicação de massa, são uma esperança de que a maquiagem, o jogo de cena, as palavras ensaiadas e toda a semiótica milionária da marquetagem podem se esfarelar na era digital.

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