"Livre iniciativa" é uma expressão que abunda nos discursos de políticos ligados ao conservadorismo religioso. Pastor Everaldo é um ícone sincero desse nicho fundamentalista: diz que vai entregar quase tudo que é estatal ao particular. Marina Silva, discípula dos (e subserviente aos) twittes de Silas Malafaia, prefere eufemismos, mas quer um Estado se metendo menos. O cômico, para não dizer trágico, é que ao mesmo tempo que defendem uma economia nas mãos de particulares, querem as genitálias e os corações das pessoas nas mãos do Estado.
Vejamos, pois.
O tal pastor já afirmou centenas de vezes que "família é homem e mulher", contrapondo-se à possibilidade de união civil entre pessoas do mesmo sexo, condição aceita hoje no Brasil por uma jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), mas ainda não em lei (como já existe em muitos países avançados). Ou seja, o Estado "liberal" pregado pelo religioso-político não contempla o direito de cada um escolher com quem quer viver, transar, amar, sonhar e dividir sua vida.
Marina tenta sair pela tangente nesse assunto. Fala que é a favor dos direitos igualitários, mas tropeçou feio ao mudar seu plano de governo, retirando o apoio à união civil em lei e se apegando a eufemismos. No fundo, ela também quer os corações e as genitálias estatizados, afinal, negar-se a evoluir neste tema é também uma posição clara no sentido de manter um sistema que impede as pessoas de serem o que são na plenitude de direitos legais.
Ou seja, Marina, Everaldo e seus pares querem um Estado ausente, por exemplo, em relação ao petróleo que brota do nosso chão, pois isso, para eles, deve ser encarado como problema privado e o governo não pode se meter. Mas ambos querem um Estado muito presente e interferindo no tipo de pessoa que está do outro lado da cama de alguém.
É bizarro, para dizer o mínimo, que quase 300 anos depois da Revolução Francesa, que deu luz ao direito individual e à criação do Estado de Direitos, ainda haja líderes pregando um Estado que define como cada um deve amar, se relacionar, dividir sua vida e ter prazer. E nisso se incluem também o atual governo, do PT, e os governos anteriores, do PSDB. Nenhum teve coragem de mexer nessa questão, justamente pelo temor da reação dos templos e das sacristias, em subserviência ao transe.
Antes de discutir a Petrobras, a Eletrobras ou qualquer outro "bras", precisamos privatizar nossos direitos de amar e ser amados, de viver e conviver sob a égide de uma lei que respeite o ser humano e sua complexidade. É urgente que se privatizem os corações e as genitálias dos brasileiros, tirando do Estado um totalitarismo absurdo sobre a condição humana e permitindo que as pessoas vivam verdadeiramente livres no que tange ao seu foro íntimo e se empoderem do que é seu por natureza. Ou continuaremos rastejando nos ecos da Idade Média.
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