sexta-feira, 20 de junho de 2014

Maestro soberano, por ele mesmo




Quando nasci veio um anjo safado, o chato dum querubim, e decretou que eu tava predestinado a ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim.

Minha mãe embrulhou-me num manto. Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher me ninava cantando cantigas de cabaré.

O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano. Sou artista brasileiro.

Corro atrás do tempo. Vim de não sei onde. Devagar é que não se vai longe. Eu semeio o vento na minha cidade, vou pra rua e bebo a tempestade.

Eu faço samba e amor até mais tarde. E tenho muito sono de manhã.

Não se afobe não que nada é pra já! O amor não tem pressa. Ele pode esperar em silêncio. Num fundo de armário. Na posta-restante. Milênios, milênios. No ar.

Minha mãe sempre diz: Não há dor que dure para sempre! Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos, sempre estamos. 

Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. Roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião. O tempo rodou num instante nas voltas do meu coração. 

Porém ainda é melhor sofrer em dó menor do que sofrer calado.

Mesmo com o todavia. Com todo dia. Com todo ia. Todo não ia. A gente vai levando.

Inda pago pra ver o jardim florescer, qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença. E eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa. Amanhã há de ser outro dia.

Sonhar um sonho impossível. Lutar, onde é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender. Romper a incabível prisão. Voar no limite improvável. Tocar o inacessível chão! É minha lei, é minha questão, guiar este mundo, cravar este chão.

E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz. 

Meu Deus, vem olhar. Vem ver de perto uma cidade a cantar. A evolução da liberdade. Até o dia clarear.

No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, correndo no escuro, pichado no muro... Você vai saber de mim.

PS: É tão difícil achar palavras para descrever Chico Buarque. Por isso, tentei buscar nas suas próprias poesias algumas marcas de sua genialidade.

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