segunda-feira, 23 de junho de 2014

Não seja cínica, Folha!



Com o sucesso da Copa reconhecido mundialmente, o jornal “Folha de S.Paulo” tenta atribuir apenas à mídia internacional a culpa pelo pessimismo exagerado nas reportagens que antecederam o Mundial. “Prenúncio de que Copa seria o fim do mundo não aguentou três dias”, diz reportagem do jornal da família Frias, publicada esta semana, citando previsões apocalípticas de veículos de imprensa da Alemanha, dos EUA, da França, da Inglaterra, entre outros.

Sim, é verdade que jornais estrangeiros foram bastante críticos e pessimistas, usando da velha visão distorcida sobre o Brasil, mas eles não foram os únicos. A Folha esqueceu-se da autocrítica necessária neste caso, pois ela foi uma das principais trombetas do apocalipse e, mais que isso, ajudou a pautar veículos internacionais.

Mas, já que a Folha tem memória seletiva, eu naveguei pelo seu arquivo de manchetes com o tema "Copa" num pequeno período, entre 1º de maio e 1º de junho, e abaixo está uma prova inconteste: um mês inteiro em que as notícias sobre o evento foram, praticamente sempre, negativas. O requinte de pessimismo invadiu até a coluna de Horóscopo e o caderno infantil - a Folhinha.

COMO SERIA COPA, SEGUNDO A FOLHA (manchetes de 1º de maio a 1º de junho)


- “Escolas fecham para jogos e deixam pais em apuros” (1/6);

- “Sob um astral um tanto instável o mês das festas juninas e da Copa do Mundo” (1/6, no Horóscopo);
- “Sedes atraem prostitutas adolescentes” (1/6);
- “O temor de que os protestos anti-Copa possam interromper os negócios movimentou o mercado de gestão de risco” (1/6);
- “Copa deve manter em baixa produção das indústrias” (31/5);
- “Protestos, tumultos e feriados da Copa podem estar minando a confiança de parte do empresariado nos negócios até julho” (29/5);
- “A 14 dias da abertura da Copa, cinco temas em pauta no Brasil geram preocupações na Fifa” (29/5);
- “A 15 dias da Copa, o Brasil investiu só 3% do planejado para melhorar as condições de atendimento ao turista” (29/5);
- “‘Banheiros são fedorentos’, diz ministro do TCU” (28/5);
- “Copa do Mundo é motivo de piada” (28/5)
- “O ambiente não está bom” (21/5);
- “Nem todo mundo está ansioso para vestir a camisa da seleção e torcer para o Brasil na Copa. Inúmeros protestos contra a realização do Mundial pipocam por diferentes cidades” (17/5, na Folhinha!);
- “A perda de popularidade da Copa já fez algumas empresas desembarcarem de projetos ligados ao evento” (17/5);
- “As vendas maiores de TVs para a Copa não impediram o comércio de registrar um desempenho ruim em março” (16/5);
- “Brasil vai passar vergonha” (16/5);
- “Governo é refém de movimentos sociais” (15/5);
- “Pré-Copa do Mundo, os astros estão em guerra no céu do Brasil” (12/5, de novo no Horóscopo);
- “A 35 dias da Copa do Mundo, o país voltou a ter uma série de manifestações, relacionadas direta ou indiretamente com o Mundial” (9/5);
- “Lojistas da 25 de Março temem encalhe após Copa” (9/5);
- “Seleção é a mais inexperiente desde 1950” (8/5);
- “Rio pode ficar sem 116 veículos que seriam usados na segurança da Copa” (8/5);
- “Só 3 das 12 cidades-sede concluíram obras de energia para o Mundial” (7/5);
- “De avião, mas com atraso” (5/5);
- “Terminal será inaugurado incompleto em Cumbica” (4/5);
- “Via saturada vai se tornar a avenida da Copa em São Paulo” (4/5);
- “Às vésperas da Copa, autoridades se preocupam com a radicalização de movimentos" (2/5);
- “Internet não funcionará direito em 6 estádios do Mundial” (1/5);
- “Os seis estádios com problemas” (1/5)


Um detalhe importante é que, neste período, houve apenas uma (sim, uma!) manchete positiva sobre o evento, informando que os gastos totais da Copa eram comparáveis aos de apenas um mês em educação;

Outro detalhe também importante é que não foi apenas a Folha a alardear o caos entre os jornais brasileiros. Para citar só dois exemplos marcantes, o Estadão, sem revelar fontes, chegou a dizer que haveria uma parceria entre black blocs e o PCC para atacar o terror em lugares públicos. A Veja fez uma capa, “baseada em cálculos matemáticos”, prevendo que os estádios só ficariam prontos em 2038.

O fato inconteste é que, mais uma vez, a mídia perdeu ao retratar um país muito pior do que é. Fica evidente, cada vez mais, o descompasso entre as pautas dos velhos meios de comunicação e a verdade factual. Pior que isso é o fato de essa velha mídia não assumir seu erro, tentando achar explicações que estão longe do seu próprio umbigo repleto de arrogância, uma postura que ecoa de um tempo em que as folhas de papel e um hegemônico canal de televisão eram as vozes únicas da comunicação de massa. 

Assim, o jornalismo é golpeado por interesses que se colocam acima do interesse público, e o direito constitucional à informação fica à mercê de uma elite ainda acostumada a métodos feudais. O lado bom da história é que, nas mídias sociais, multiplica-se uma nova comunicação que, se é caótica por um lado, é muito mais plural, por outro - tão plural que é capaz de colocar em xeque os velhos jornalões.

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