terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A Folha se faz de Pilatos

Um dos vícios do velho jornalismo praticado na velha mídia (principalmente nos impressos) é o de se achar acima do bem e do mal. O leitor é quase sempre um detalhe, alguém que, quando reclama, é porque "não sabe interpretar" o que os comunicadores-Mor pautam, escrevem e editam. 

Essa arrogância é histórica. Tanto que Claudio Abramo, um dos maiores jornalistas que o Brasil teve, escreveu um texto brilhante (que está no livro "A Regra do Jogo", essencial a quem gosta de jornalismo) comparando seu trabalho de jornalista ao de um marceneiro. Ele diz que não é melhor em absolutamente nada em relação a alguém que faz uma cadeira ou uma mesa, pois do mesmo jeito que a cadeira ou a mesa não pode ficar manca, uma informação não pode ser torta. Mas, Claudio Abramo é exceção numa constelação de deuses da informação.

A resposta da ombudsman da Folha ao meu e-mail (clique aqui para ler se ainda não viu a publicação anterior do Blogna) sobre as "dicas" do jornal para gays não darem pinta nas ruas, é um primor, uma prova de que a autocrítica ainda é raridade dentro das velhas redações. Talvez por isso, elas sucumbem à era digital, onde o debate acontece não nos jornais, mas nas mídias sociais.

Não me contive e repliquei, enviando outro e-mail a ela. Está tudo abaixo.

A resposta de Suzana Singer:

"Caro Marcos, esse quadro traz as táticas adotadas pelos frequentadores da rua Frei Caneca para evitar agressões, a Folha não está recomendando que as pessoas deixem de sair de mãos dadas ou evitem 'dar pinta'. A reportagem é para mostrar como os gays estão sofrendo ataques."

Eu replico:

Cara Suzana, 
Essa resposta me faz lembrar Pilatos.
A Folha ouve meia dúvida de frequentadores da Frei Caneca como se fossem uma estatística do pensam os gays. Primeiro erro crasso, na minha modesta opinião de um mero leitor. Aí, tasca um quadro em destaque intitulado "estratégias de segurança", sem dizer nada, no próprio quadro, que isso é apenas opinião de alguns frequentadores, não representando o que o jornal pensa nem o que os gays, em geral, pensam. Segundo erro crasso (aliás, cabe uma pergunta: quando o jornal destaca algo de uma fonte, não estaria compactuando com ela de alguma forma? Sim, pois é possível ouvir fontes das mais diversas opiniões e usar na edição as que mais interessam para os mais diversos propósitos, oras). O jornal também não coloca senso crítico diante de dicas que são, no mínimo, um festival de preconceitos, apenas reproduz, e agora quer se passar de inocente, dizendo que não tem nada a ver com um tema que destacou em sua edição dominical. Terceiro erro crasso.
Da próxima vez, vocês poderiam escolher gente pela rua que diz que mulher não pode sair de roupa curta para evitar estupro. Aí, vocês fazem um quadro dando dicas de segurança. Certamente, não será responsabilidade da Folha a aula de machismo.
Ora, cara Suzana, isso é tratar o leitor como idiota. É como uma loja vender um produto com defeito e atribuir a culpa apenas à empresa que o fabricou. Os jornalistas precisam descer do pedestal e assumir suas escolhas, tanto na pauta quanto na edição. É preciso ter bom senso e respeito à diversidade na hora de falar de ser humano!!!
Abs,
Marco

Um comentário:

  1. parabéns pelo seu artigo, que interpreta verdadeiramente o ocorrido.

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