segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Folha manda os gays ao armário



Minha carta à Suzana Singer, ombudsman da Folha, sobre o fato de o jornal orientar gays a não darem pinta para não ser agredidos nas ruas.

Cara Suzana, boa tarde,

Estou tentando entender as estratégias de segurança publicadas pela Folha para que gays não sejam alvo de violência de homofóbicos nas ruas. 

Se eu entendi direito (e eu li umas dez vezes para acreditar no que estava lendo), o jornal está orientando o público gay a "evitar lugares abertos". Dentro de armários, então, pode? Dentro de casa, desde que trancado no quarto, também? Ou, no máximo, fechado em guetos onde só haja gays, não se misturando com os "normais" nos lugares "normais" em hipótese alguma, isso também pode, né?

O jornal também diz (e isso eu achei um primor!) que os gays precisam "não dar pinta". O que seria "não dar pinta"? Aliás, o que é "dar pinta"? É "desmunhecar"? Ter a "cabeleira do Zezé" que induz ao "será que ele é?"? Ou é simplesmente ser o que é, exercendo um direito que é constitucional? 

Ou seja, apesar de não estarmos no Afeganistão, a Folha defende que os gays e lésbicas pareçam héteros nas ruas, certo? Que os homossexuais representem a figura do macho viril ou da Amélia, autocensurando-se o tempo todo e incorporando, ainda, uma outra personalidade (a que é aceita pelos "normais")? É como se travestir às avessas e não mostrar a "aberração" que são, ok? Ora, mas aberração não são os homofóbicos? Não seriam eles que deveriam temer as regras da sociedade e não deveria um jornal focar seu noticiário na luta contra esses monstros?

Voltando às dicas da Folha, tem mais. O jornal também censura as mãos dadas e o beijo ("evitar andar de mãos dadas e dar beijos em locais públicos"). Poxa, mas agora que rolou beijo (e na boca!) na novela da Globo, depois de tanta luta, não pode nas ruas de uma das cidades mais diversificadas do mundo, onde se realiza a maior parada gay do planeta e no país onde o Supremo Tribunal Federal já considerou o casamento entre pessoas do mesmo sexo válido? Ora, mas que contradição! Enquanto avançamos nas instituições da República, a Folha quer que brinquemos de Idade Média nas ruas? 

Com tudo isso, a Folha está, então, defendendo que um grupo social historicamente vítima de violência e ainda com muitas lutas a travar no sentido da conquista de seu espaço se acovarde? Sim, só pode ser isso! Eu não vejo outra interpretação porque, ao fingirem o que não são e ao agirem como se não fossem o que são, como os gays serão um dia respeitados pelo que são, de fato?

Outra dúvida: a Folha também defende que mulheres palestinas evitem os véus ao saírem nas ruas? Que judeus evitem os quipás? Que negros africanos alisem os cabelos? Que mulheres em geral evitem saias curtas ou roupas justas para não serem alvo dos estupradores? A Folha tem algo contra a diferença? Não quer que as pessoas saboreiem a delícia de ser o que é e lutem para que tenham o espaço que lhe é de direito legal? Quanto recalque de um jornal que se diz moderno e "a serviço do Brasil"!

Uma dúvida histórica, agora. A mesma Folha, que disse num editorial de anos atrás que a ditadura brasileira foi uma "ditabranda", também defenderia, se ainda estivéssemos em um regime militar (credo em cruzes!), que incorporássemos a alienação para não sermos torturados?

E, por fim, o jornal quer que finjamos ser idiotas para acreditar que toda essa baboseira é "estratégia de segurança"?

Não dá mais pra ler!

Sem mais,

Marcos Brogna, gestor de comunicação, prof. universitário/ São Paulo-SP

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