quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Bancada evangélica e fascismo

Bancada evangélica | foto: divulgação/Câmara dos Deputados
“Estamos assistindo a certos segmentos religiosos chocarem o ovo da serpente, expressão que vem do nazismo dos anos 30, na Alemanha: depois que a coisa esquentou é que muita gente se deu conta”. A frase é do escritor e teólogo Frei Betto, e retrata o que acontece no Brasil sob o protagonismo de tristes figuras como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e seus discípulos.

Frei Betto foi direto ao ponto, ao falar em uma universidade de Brasília no último final de semana: “No Brasil, determinados segmentos religiosos estão cada vez mais partidarizados. Existe no Congresso Nacional a bancada evangélica. Não tenho nada contra os evangélicos, tenho contra essa bancada.”

Sim, é isso! A tal bancada evangélica tem se tornado um braço nazifascista da política brasileira, cujo maior objetivo tem sido o de usar leituras radicais de dogmas cristãos como pretextos para achincalhar o Estado de direito, disseminar ódio e minar as conquistas relativas aos direitos individuais pós-Revolução Francesa, fazendo a sociedade retroagir a costumes medievais. Essa bancada tem agido sistematicamente contra a consolidação de um Estado laico, transformando a religião que lhe serve de curral eleitoral em um parâmetro único e imposto a todos por meio da Constituição Federal, infestando os mecanismos republicanos.

Mais grave ainda é que tudo isso acontece sem nenhuma resistência. Das forças de direita não se pode esperar nada, pois sempre tiveram os dois pés fincados na "moral e nos bons costumes" dos fundamentalistas (e não foi à toa que José Serra contratou Malafaia em duas de suas campanhas eleitorais para pregar o ódio aos gays e criar cortina de fumaça sobre o aborto). Da esquerda, que deveríamos esperar reação, considerando suas bandeiras históricas, pouco se veem iniciativas, pois ela está se acovardando, curvando-se aos dividendos eleitorais da tal bancada e dos seus fiéis, embebedada por projetos de poder e vícios que emprestou da direita.

O risco disso tudo é deixarmos os Felicianos livres para transformar o Brasil numa nação como o Irã, onde o Estado é regido por dogmas e, por isso, mulheres precisam se esconder em roupas que cobrem tudo, humilhando-se aos homens sob o risco de serem condenadas à morte por apedrejamento; onde gays são enforcados em praça pública apenas porque preferem se relacionar com pessoas do mesmo sexo; onde não há sequer liberdade religiosa, pois só existe uma religião que rege todas as leis e onde não existe educação que liberte da alienação, pois tudo é controlado por absurdas regras de um estranho "sagrado".

Voltando ao nosso país e a Frei Betto, ele faz um alerta muito, muito sério: “Precisamos abrir o olho porque está sendo chocado no Brasil o poder fundamentalista de 'confessionalização' da política. Isso vai dar no fascismo.” 

Sem dúvida, vai. Porque o Estado laico contempla todas as religiões como direito, porém um estado religioso não contempla nenhum direito além dos mandamentos dogmáticos de uma única seita. A inquisição foi assim e queimou gente viva.

Em 1964, forças reacionárias, também influenciadas por moralismos, tomaram o Brasil e, por 20 anos, calaram, exilaram, torturaram e mataram os "diferentes". Felizmente, houve os que se levantassem contra e, graças a eles, vivemos uma democracia novamente. A pergunta é: quem se levanta agora para evitar que nos tornemos a República Teocrática Fundamentalista do Brasil?

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Inquisição à vista

Melkor3D/Shutterstock
Enquanto o samba de uma nota só chamado "mensalão" monopoliza as manchetes da velha mídia e todos os textos de colunistas-ventríloquos-dos-seus-patrões-especuladores (há oito anos esse dramalhão não sai da tela), o Brasil dá dois passos no sentido da Idade Média, protagonizados pelo fundamentalista Marco Feliciano, que ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos.

Feliciano, mais uma vez, conseguiu agir na calada da noite (ou, melhor dizendo, aproveitando-se das sombras de um noticiário viciado e cego). 

Além de fazer passar na sua comissão a ideia de um plebiscito para discutir a união de pessoas do mesmo sexo, também avançou no sentido de anular decisão do Conselho Nacional de Justiça, que determinou aos cartórios de todo o país a obediência à decisão do Supremo Tribunal Federal liberando uniões gays.

Feliciano quer, na verdade, implodir o direito dos gays de se unirem aos seus pares. Quer passar por cima de uma conquista histórica e, pior, usando a opinião pública como refém e cúmplice da sua doentia e estranha obsessão pelo tema. 

Fazer um plebiscito para discutir a destruição de direitos de uma minoria, que não ferem em nada os da maioria é, no mínimo, uma tremenda sacanagem. Isso porque o casamento gay não substitui o casamento entre homem e mulher, não havendo nenhuma relação de prejuízo entre um e outro tipo de matrimônio. A recente conquista (graças ao STF, pois a maioria dos deputados é covarde diante dessa pauta) apenas estendeu aos gays um direito que os héteros sempre tiveram e continuam tendo -e isso no âmbito das leis, não nos templos religiosos, que continuam com total liberdade para impor suas regras homofóbicas aos seus fieis. 

Feliciano quer, na verdade, botar fogo no paiol. Ele quer criar uma guerra "santa" por meio de um "você decide" que custaria muito aos cofres públicos, gerando um debate dogmático e medieval. Sua intenção é rasgar o Estado de direito e trocá-lo pelo transe, tal qual se fazia nos idos da inquisição, agregando dízimos à sua imagem de representante-Mor da moral e dos bons costumes. 

Se o plebiscito vingar (lembremos que Marina Silva já deixou escapar a mesma ideia absurda), Estado e igreja voltarão a se misturar em praças públicas, com fogueiras acesas para queimarem os não-obedientes ao dogma. 

Logo, Feliciano também poderá propor que se discuta se as mulheres devem continuar votando, já que está na Bíblia que elas precisam ser submissas aos homens. Ou se não deveriam usar burca como vestimenta obrigatória.

Nosso sangue negro

art4all/Shutterstock

Contei numa lista dos feriados nacionais de 2013 e, de onze, seis são religiosos, ou seja, a maioria. Soma-se a isso o fato de as cidades comemorarem seus aniversários na data do padroeiro, um santo da Igreja Católica que sequer nasceu no país. Ou seja, paramos totalmente o Brasil e particularmente as cidades brasileiras, quase sempre, em datas estipuladas pela religião. Num estado dito laico...

Hoje não é feriado nacional, apesar de termos apenas uma santa brasileira e mais da metade da população negra. Muitas cidades não aceitam a ideia de parar num dia de consciência sobre nosso principal fator étnico e houve até município que revogou a data, como Curitiba (que poderia mudar-se, talvez, para o Mississipi após a medida). Muitos torcem o nariz para a data de hoje, para o que ela significa e para o que deveríamos refletir acerca de seu significado. E o motivo é óbvio: ainda vivemos num país racista. E existe racismo em frases como "uma data para os negros reforça o preconceito". Será que a mesma pessoa que diz isso também diz, no 12 de outubro, que Nossa Senhora não precisa de uma só data? Ou que as crianças não precisam de data, assim como a mulher, o professor, a mãe, o pai?

Os africanos foram arrancados do seu território, trazidos acorrentados em navios imundos e vendidos como mercadoria para trabalhos absurdos. Os que sobreviviam experimentavam o inferno de subsistir como "raça inferior", tendo de servir estúpidos senhores e estúpidas sinhás. Da mesma forma que foram tirados de seu mundo, foram jogados na sociedade após a abolição da escravatura, sem senzala para viver nem oportunidades para ser alguém. Até hoje amargam a falta de oportunidade compatível com os brancos.

Todos os países que escravizaram africanos têm uma dívida histórica com esse povo, mas nem é sobre isso que quero falar. Todos nós, queiramos ou não, temos uma ou mais gotas de sangue negro correndo por nossas veias. Sim, temos! Mesmo que sejamos branquinhos feito leite. Porque o Brasil se ergueu em grande parte por mãos negras e se formou em miscigenações. Portanto, racistas e viúvas de Hitler por aqui são, além de estúpidos, completos ignorantes sobre si mesmos.

Hoje não é dia só dos afrodescendentes. Hoje é dia do Brasil. E respeitar esse povo que aqui chegou acorrentado, mas enriqueceu enormemente o que conhecemos como Brasil, é também respeitar a nós mesmos, porque fomos formados também por eles, essa riqueza está em nosso DNA, na nossa cultura, nos nossos costumes da cozinha até o quadro que penduramos na parede, passando pelas cores da roupa que vestimos, pelas músicas que ouvimos, pela vida que vivemos.

Há uma gota de sangue negro em cada brasileiro. E a consciência sobre isso deveria gerar o maior orgulho. Todos os dias.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Presidente Jango

Imagem: Agência Brasil
Jango era chamado de comunista porque queria relações comerciais do Brasil com a China, a mesma China com que o mundo inteiro, hoje, quer (e precisa) ter relações comerciais. 

Na verdade, Jango foi vítima de um grande golpe que atingiu vários países da América Latina. Um golpe financiado pelos Estados Unidos, que tiveram como capachos as elites econômicas e a velha mídia, representante-Mor (ontem, hoje e sempre) do conservadorismo predador nesses países. 

Jango foi deposto, peregrinou em exílios e morreu de forma estranha, tal qual Juscelino Kubitschek e outros ex-presidentes de países que sangraram em ditaduras (que, no Brasil, foi apenas "ditabranda" para a Folha, cujos caminhões eram emprestados aos militares torturadores numa cumplicidade sangrenta com a ditadura da qual participaram Globo, Estadão e afins). 

Na verdade, tudo indica que Jango, Juscelino e os outros foram mortos pelos mesmos golpistas que implantaram os regimes ditatoriais. A propósito, um documentário muito interessante, chamado "Dossiê Jango", foi lançado este ano e vale muito a pena assistir, pois mostra evidências de que Jango foi envenenado para nunca mais haver o risco de ele voltar ao país onde não pôde exercer seu legítimo mandato presidencial (escrevi sobre o filme logo que assisti no cinema, em julho - CLIQUE AQUI para ler).

Esse capítulo da história permanecia em aberto, como um livro inconcluso e abandonado, uma ferida que não cicatriza em uma das pernas da democracia brasileira. Hoje, ao menos a obra foi reaberta bem na página em branco, respingada de sangue: os restos mortais de Jango chegaram a Brasília e passarão por exumação. 

A chegada de Jango à capital federal é, em si, um capítulo a parte: depois de crucificado pela mídia catastrofista (a mesmíssima de hoje), deposto, exilado, possivelmente morto pela tirania e quase esquecido pela história e pela Justiça, ele é recebido com honras de chefe de Estado, como foi, de fato, escolhido pela vontade popular (pois, na época, o vice também era escolhido nas urnas).

A investigação (tardia) da morte e a possibilidade de o Congresso anular a sessão que depôs Jango fazem, simbolicamente, a história começar a ser reescrita, do presente para reparar o passado. Quem sabe para que, no futuro, estejamos completamente livres dos cálices de vinho tinto de sangue e do "cale-se", tão bem definidos por Chico Buarque.

domingo, 10 de novembro de 2013

Só falta enterrar a velha mídia

SXC

Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas e divulgada na semana que passou (não pelos veículos tradicionais de mídia) é uma verdadeira bomba-relógio prestes a explodir no colo dos barões da comunicação. Diz o levantamento da FGV (clique aqui para ler) que nada menos que 70,1% dos brasileiros não confiam nas emissoras de TV e 62% desconfiam dos jornais impressos.

Considerando o que ensinam as melhores escolas de jornalismo do mundo, que a credibilidade é o maior patrimônio de qualquer publicação (e em qualquer plataforma), trata-se de uma notícia que configura mais um prego no caixão da velha mídia (e entenda-se por velha mídia não necessariamente o papel, a rádio e a TV, mas a velha forma de noticiar numa via de mão única, em que o espectador é bombardeado sem direito à dialética).

Soma-se a esse cenário sombrio para os velhos modelos midiáticos uma notícia divulgada neste domingo, revelando que um dos maiores títulos do jornalismo impresso da América Latina (o Estadão) está à venda. Pior que isso: ninguém quer comprá-lo (clique aqui para ler). 

Essa crise, claro, se explica em grande parte pelo crescimento vertiginoso das conexões digitais e, em especial, das mídias sociais, que colocaram um novo patamar interativo entre as pessoas, inclusive quebrando a via de mão única do velho modelo. Entretanto, há outro notável fator a explicar a derrocada da velha mídia: ela vem fugindo cada vez mais da verdade factual atendendo a outros interesses.

É muito fácil encontrar provas dessa situação. Basta, por exemplo, ler as colunas da ombudsman da Folha, em que ela aponta desvios sérios de rota do próprio jornal em que trabalha, que não são simples erros, mas condutas que distanciam o dito "maior jornal do Brasil" da verdade factual. O mais recente foi apontado hoje por ela: para noticiar uma bomba contra Kassab, a Folha usou na manchete de capa a palavra "prefeito" em vez de "ex-prefeito", tentando confundir o leitor e atingir o atual alcaide.

Já faz meses que tanto a Folha quanto outros jornalões e emissoras de TV estão em campanha política, atendendo a interesses de quem se locupleta com os seus. Isso sem contar os interesses econômicos junto a seus anunciantes. Para isso, geram terrorismo noticioso, sensacionalismo, fazem comparações incomparáveis, previsões alarmistas e sem base alguma, fartando-se de colunistas que cantam um samba de uma nota só com intolerância, ódio e distorções. Trata-se de um festival do "jornalismo" especulativo e cheio de más-intenções.

A velha mídia só não se atenta para um fato: leitores e espectadores não gostam de ser tratados como idiotas. Aliás, quem gosta? Daí a desconfiança apontada pela FGV, daí o Estadão à venda, daí a velha mídia vivendo seu epílogo, num processo que poderíamos interpretar como lento suicídio.

R.I.P, velha mídia!

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Jorge Dória e os buracos na cultura


Uma vez assisti a uma peça de Jorge Dória no teatro que vive em reforma (e nunca tem nada de arte) em Americana, cidade em que nasci e vivi por vários anos. Ao fim da peça, ele teve de fazer aquela estranha (eu acho estranha e desnecessária) leitura dos patrocinadores do evento, mas antes fez um discurso de lamento pelo que sentia naquela situação. 

Dória disse que muitas cidades do interior reclamam da falta de opção cultural, mas quando há essas opções, que exigem enorme esforço das companhias teatrais, várias cadeiras dos teatros ficam vazias (e havia espaços vazios no pequeno teatro da cidade). 

Vi outras tantas peças no mesmo (fechado eternamente para reforma enquanto se torra dinheiro com avenida bonitinha) teatro de Americana. E lá estavam os "buracos" na plateia. Paulo Autran, Jô Soares, Diogo Vilela, até óperas em que era necessário ler a legenda na parede ao lado do palco e assistir à obra como numa partida de tênis... E lá estavam os "buracos"...

Enquanto isso, na festa do peão, os camarotes caríssimos vivem cheios.

Que Dória brilhe em outros palcos. E que a cultura sobreviva aos reis dos camarotes!

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Folha faz assessoria aos EUA



Manchete de hoje da Folha de S.Paulo deixa claro por que o jornal deu destaque, no início desta semana, ao fato de o governo brasileiro ter "espionado" agentes internacionais aqui. O jornal forçou a barra, comparando observações que um setor de inteligência faz, em qualquer país, com quebra de sigilos digitais alheios, invasão de contas e de privacidade, afronta a leis internacionais e, portanto, crimes cometidos pelos EUA contra brasileiros, alemães etc...

Questionei a ombudsman da Folha anteontem sobre o tema, via e-mail: "O jornal confunde o leitor ao misturar quebra de privacidade na internet, um crime praticado pelos EUA contra vários países do mundo (caso que projetou nosso país ao ser firme em defesa da soberania), com observações feitas por órgãos de inteligência do governo brasileiro, prática comum a qualquer Estado do mundo. São coisas diferentes, mas para a Folha foi um pretexto para confundir a cabeça do leitor e passar o seguinte recado: o Brasil reclama de Obama, mas também espiona. Ou seja, o Brasil é hipócrita, o Brasil é mentiroso, o Brasil é ridículo!!! Vivam os EUA!!!". E ela me respondeu, concordando: "Prezado Marcos, eu acho que o jornal deveria deixar mais clara a diferença entre a espionagem patrocinada pelo governo brasileiro e o que o governo Obama está sendo acusado de fazer. Não é só um problema de escala, como foi dito ontem".

O que a Folha queria com a manchete de segunda-feira está publicado hoje: através da confusão maliciosa, prestar serviço ao governo americano, que aproveita a "notícia" para dizer que "todos espionam". Bingo! Ou seja, deixem os EUA dominarem o mundo por meio de práticas subterrâneas, desonestas e que minam o espírito de cidadania e dos direitos individuais. E o Brasil que saiba qual é o seu lugar: de colonizado subserviente (como é o jornal em relação aos seus anunciantes, ao grupo político que o patrocina e também aos heróis da terra do Tio Sam).

Não estranha um jornal que ofereceu seus caminhões à ditadura e chamou o ciclo militar brasileiro de "ditabranda", tentando dizer que não foi um período violento, fazer esse tipo de "jornalismo". Só seria mais honesto a Folha trocar o slogan que mantém na capa ("Um jornal a serviço do Brasil"). Que tal passar para "Deus salve a América?".

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O rei do camarote e a guilhotina


Parecia que a Veja já tinha feito tudo de mais surreal, mas eis que surge o "rei do camarote" na capa da Vejinha São Paulo e um vídeo estrelado por ele no site da revista, uma das coisas mais bizarras de se assistir (clique aqui para ver). 

Alexander de Almeida, o herói da revista que se diz importante, é um empresário "dono dos dez mandamentos" para reinar na noite: beber champanhe (mesmo preferindo vodca), dirigir sua Ferrari embriagado, vestir roupas das grifes mais caras para "ganhar" mulheres interessadas em seu dinheiro, tietar celebridades para agregar valor ao seu camarote, levar seguranças à tiracolo para assegurar sua integridade física, torrar 50 mil reais em uma noite brincando com a maquininha de cartão de crédito como se fosse um telefone e pagar mico diante de todo um país.

É um paradoxo, mas o dinheiro tem o poder de comprar uma das coisas mais sem valor do planeta: a futilidade. Pior é quando essa mistura de riqueza material com pobreza de espírito vira pauta e ganha a capa de uma publicação que faz do fútil um exemplo a ser propagado por todo um país. Pior ainda é o fato de este país ter o desafio histórico de vencer a desigualdade social (e sua mais importante conquista têm sido justamente a redução da miséria) e estarmos em um mundo que implora por sustentabilidade.

O "rei do camarote" é um alienado que imagina ter o planeta girando em torno do seu umbigo, certo de que dentro da sua Ferrari ou na embriaguez de sua champanhe servida com fogos na balada não há as leis dos pobres mortais, e que seu cartão de crédito é capaz de torná-lo a pessoa mais interessante do universo, amado pelas lindas e lindos que o rodeiam. Seu comportamento é idêntico ao de boa parte da elite paulistana, em especial, e da brasileira, em geral. A diferença é que ele concordou em expor tudo isso, enquanto outros apenas praticam, sem contar.

Pior que Alexander, o grande babaca endinheirado, é quem lhe dá holofotes posando de veículo "formador de opinião" e "indispensável" para o país. Bem pior que sua estupidez é transformá-la em modelo a ser seguido ou admirado, é imaginar que sua vidinha miseravelmente rica seja parâmetro para alguma coisa que não seja repulsa. Para a Veja, Alexander é o rei, enquanto nós somos súditos. Com tal publicação, a revista está dizendo que a ode ao material, o egoísmo e o desprezo ao humano são um projeto de vida, sinônimo de sucesso e felicidade.

Ao coroar Alexander, Veja cospe no Brasil e no ser humano, dizendo algo como a frase atribuída a Maria Antonieta: "Se o povo não tem pão, que coma brioches". O lado bom disso tudo é que, tal qual a monarquia foi guilhotinada pela Revolução Francesa, a velha mídia está sendo varrida pela revolução digital. Prova disso é que, em apenas dois dias, uma das muitas páginas criadas na internet para debochar do "rei do camarote" (clique aqui parar ver) conseguiu 100 mil seguidores (um terço da tiragem que Vejinha conquistou em décadas) e a repulsa à pauta nas discussões pela web supera em muito a própria credibilidade de Veja.

Lembrando uma frase de Victor Hugo em "Os Miseráveis", "A pobreza e o luxo são dois conselheiros fatais, um ralha, o outro lisonjeia". O ralhar contra Alexander e a Veja pelas mídias sociais são a queda da Bastilha na comunicação brasileira e mundial.