domingo, 22 de setembro de 2013

Entrevista-bomba


Ives Gandra Martins é um jurista com 56 anos de advocacia, dezenas de livros publicados e sua postura diante de muitos temas é sempre conservadora. A Folha de S.Paulo é um jornal de quase cem anos, apoiou o golpe militar de 64 mas depois embarcou nas Diretas Já e sempre tem como colunista fixo um tucano, que, "coincidentemente", é pré-candidato a alguma coisa (hoje é Aécio, ontem foi Serra).

Pois Ives Gandra e Folha de S.Paulo, ambos nada alinhados ao PT ou à esquerda brasileira (muito pelo contrário!), trazem neste domingo uma notícia bombástica (clique aqui para ler). A jornalista Monica Bergamo, da Folha, entrevista o jurista e ele diz, ipsis literis, que José Dirceu foi condenado sem provas pelo Supremo Tribunal Federal. E argumenta focando na novidade imposta à Suprema Corte pelo seu hoje presidente Joaquim Barbosa: a teoria do domínio do fato.

Gandra explica: "Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato. Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela -e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa.O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada".

Reação minha ao ler (e imagino que de muitos): Ohhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! 

Pausa para respirar. Voltemos e reflitamos sobre o tema.

Isso não significa que Dirceu seja um anjo, que as relações entre os poderes não tenham vícios seculares e horrendos no Brasil, que o PT não tenha frustrado expectativas ao ceder a velhas formas de governar, nem que a política brasileira não precise de mudanças em suas vicissitudes. O fato, porém, é que, diferente do que sempre fez, o STF juntou num único processo 40 políticos (combinando até o número com os 40 ladrões de Ali Babá) e cedeu a um jogo midiático ao tratá-los como os únicos corruptos da história do país, precisando condená-los à forca e a qualquer custo, porque o 12º juiz era a Rede Globo, que jogou com o peso da opinião pública, emparedando e até ameaçando os ministros do Supremo. Ou seja, formou-se um tribunal de exceção, coisa típica das ditaduras (e a Globo entende bem de ditadura, pois apoiou os 20 anos sangrentos que sufocaram o Brasil).

Agora, o preço de levar Dirceu e seus seguidores à forca é bastante caro para todos os brasileiros: se a mesma regra que valeu para condenar os "mensaleiros" valer para todos nós (e assim deve, pela jurisprudência), você que é um empresário ou um chefe de setor, por exemplo, se for acusado por um único funcionário seu de atitude corrupta, deverá ser condenado sumariamente, mesmo que não haja mais nenhuma prova contra você além do depoimento do acusante. Ora, eis a teoria do domínio do fato, pois se você é superior no setor ou na empresa, deve saber de tudo e se responsabilizar por tudo o que acontece ali. Então, cadeia - e imediatamente!

Acontece que a mesma regra já não vale, por exemplo, para os mensaleiros do outro lado da moeda (o PSDB), sobre os quais recai denúncia semelhante à que recaiu sobre os políticos do PT. O mesmo Joaquim Barbosa, que juntou os "40 ladrões" petistas num mesmo processo, transformando o STF em um estádio de futebol em partida que vale o campeonato, desmembrou os processos contra os tucanos, que já correm o risco de prescrever sem nenhuma condenação.

Diante desse contexto, só me resta uma constatação (que, aliás, eu já desenhava desde o início deste julgamento): não se moralizam as relações políticas de um país criando regras de exceção para condenar uns, mas mantendo outros impunes. A corrupção no Brasil (e no mundo!) não tem partido, pois ela é um vício que ecoa das primeiras organizações hierárquicas humanas e está presente até nas mais banais atitudes, como o motorista que "dá um jeitinho" de salvar sua CNH que estourou em pontos sem precisar passar por "reciclagem", ou que bebe e dirige; quem fura fila; quem não devolve o troco a mais dado pela caixa do supermercado; quem sonega; quem especula; patrões que não respeitam leis trabalhistas etc etc etc...

Levar ou não levar Dirceu à forca, portanto, não vai mudar o Brasil. E, se se quer vestir luto, seria menos hipócrita fazê-lo contra um modelo de justiça que materializa inúmeras injustiças. Exemplos? Pimenta Neves matou a namorada, foi condenado a 14 anos de prisão mas, apenas dois anos depois, já está em regime semiaberto (clique aqui para ler Pimenta nos nossos olhos). O assassino da missionária Dorothy Stang está sendo julgado pela quarta vez e, quando esteve preso, foi presenteado com a liberdade graças a liminar do ministro Marco Aurélio Mello (o mesmo que brada contra a corrupção hoje). O médico estuprador Roger Abdelmassih, condenado a mais de 200 anos de prisão, ganhou a liberdade e fugiu do país graças a uma decisão do juiz Gilmar Mendes (outro que faz agora discurso pela moralidade). O garoto que, embriagado e dirigindo em alta velocidade, atropelou e decepou o braço de um ciclista na Avenida Paulista, não o socorreu e só parou para jogar seu membro em um rio, está livre, leve e solto. E a Globo é uma das maiores sonegadoras da pátria amada.

Plim-plim!

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