Em editorial intitulado "Comportamento animal", a Folha de S.Paulo faz, nesta quarta-feira, seu julgamento (sumário e condenatório) das pessoas que resgataram cães beagle que eram cobaias no Instituto Royal. No título, o jornal já sugere o que crava no texto: os "invasores" são "irracionais" e "tresloucados".
Não há nenhuma citação de fonte no editorial para sustentar a defesa que a Folha faz das pesquisas com animais, tampouco qualquer contraponto, como reza o bom jornalismo, sobre a real eficácia desses testes, para que o leitor tire suas conclusões. Ou seja, sem sequer usar argumentos, a Folha apenas sentencia, ignorando dados que seriam relevantes para esse debate (se o jornal quisesse fazê-lo). Vamos a eles:
A eficácia dos experimentos com cobaias é algo crucial para se refletir acerca do tema, mas a Folha não faz sequer menção a isso. Lembremos, então, um dado no mínimo perturbador: o órgão regulador de medicamentos dos Estados Unidos (o FDA) tem um estudo recente mostrando que nada menos que 92% de todas as drogas aprovadas em testes com animais falharam quando aplicadas em humanos (citado numa matéria do Terra, clique aqui para ler).
Outra questão está no âmbito da legislação. O jornal cita, sem explicar, leis que estariam fazendo o Brasil evoluir para um uso menor de cobaias, mas ignora (ou sequer sabe de) um fato que põe por terra boa parte do seu texto-sentença: não há, em nosso país, nenhum órgão que valide métodos alternativos ao uso de animais em experimentos (a notícia está no G1, clique para ler).
Mais um ponto importantíssimo é a questão dos cosméticos, que consomem grande parte das torturas em animais-cobaias. A Folha não toca no assunto, e também se esquece (ou finge esquecer-se) de uma notícia que saiu no Uol, de sua propriedade, este ano: a União Europeia deu um grande exemplo e já proibiu a venda de quaisquer cosméticos fabricados com testes em animais, o que mostra que há, sim, alternativas (clique para ler). Porém, enquanto isso, no Brasil milhares de animais passam por sofrimento extremo para uma indústria que não salva humana vida nenhuma, mas apenas serve-se à vaidade e ao supérfluo.
Ou seja, seria possível, sim, debater a questão do uso dos animais em pesquisas humanas, lançando luz sobre vários aspectos, com argumentos contrários e também favoráveis. Não foi o que a Folha fez. Muito pelo contrário, o jornal preferiu ofender os ativistas que, estes sim, estão possibilitando um debate nacional sobre a necessidade de evoluirmos no respeito às outras espécies e à sustentabilidade da vida no planeta.
Não é de se estranhar que tal postura venha da Folha, um jornal que escreveu, no mesmo espaço de editoriais, que o Brasil não teve uma ditadura, mas uma "ditabranda". Ou seja, para a Folha, nossa ditadura não foi tão violenta e não doeram nada as perseguições, ameças, exílios, torturas e mortes.
Aliás, não apenas a Folha, mas a velha mídia em geral, grande beneficiada com anúncios da indústria dos cosméticos, se lambuza em incoerências e informações direcionadas ao que lhe convém. A Veja, que hoje também ridiculariza os ativistas que resgataram os beagles, deu destaque a uma entrevista, em 2010, que tem como título: "A pesquisa científica com animais é uma falácia". (clique aqui e leia)
Eis um exemplo de jornalismo que faz testes em humanos, experimentando qual o limite da ignorância e da alienação de um cérebro.
Foto: Shutterstock
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ResponderExcluirPena dos alienados e principalmente daqueles que sabotam a si mesmos todos os dias, se escondendo atrás de opiniões fáceis e que não levam a efeito algum! Sou vegetariana, sempre vou defender animais e nunca vou ser inerte à crueldade que está debaixo do nariz de todos...aliás, debaixo literalmente! (está na boca). Mais uma vez escreve com uma sabedoria impecável! Obrigada pelo texto Marcos!
ResponderExcluirEu que agradeço pelo comentário. Compartilhe o texto, por favor! Vamos dar argumentos para este debate!
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