quarta-feira, 31 de julho de 2013

Caprichos da blogueira e o 'vipismo'

imagem sxc
"A Capricho não acabou?", perguntou a hostess de uma balada de São Paulo a uma blogueira ligada à revista Capricho, publicação da Editora Abril, que tentava passar na frente da fila e entrar sem pagar. O questionamento e a recusa do privilégio fez a garota transformar suas mídias sociais numa caprichada metralhadora de indignação e o caso virou meme pelas redes, esta semana.

Furiosa, a garota escreveu em seu perfil no Facebook: "Comentei que tinha um blog e que fazia trabalhos em parceria com a Capricho e perguntei se poderia dar uma olhada na festa antes de todo mundo pagar pra entrar -afinal, não é todo dia que a gente pode pagar 80 reais para entrar em uma balada (...) A maneira como ela [a hostess] falou foi tão sarcástica e nojenta que senti vontade de vomitar na cara dela (...) Saí de lá com o coração apertado e muita tristeza de perceber o quão hostis as pessoas são quando têm algum tipo de poderzinho nas mãos".

Tanto a tentativa da "carteirada" da moça quanto sua reação à negativa da casa noturna escancaram uma postura ridícula e muito comum por aqui: o "vipismo". De casas noturnas a megashows, o Brasil é um dos países que mais ostentam espaços "exclusivos" e "diferenciados", como "camarotes" e coisas do tipo, criados para gerar um sentimento de vantagem de algumas pessoas sobre as outras. Às vezes, não há praticamente nada de especial nesses lugares, apenas alguma inscrição que remeta à condição de "vip" e, claro, a possibilidade de passar na frente dos outros já ao chegar, na fila (gerando um prazer que talvez Freud explique).

O "poderzinho nas mãos" criticado pela blogueira é o que ela própria tentou impor e talvez a Capricho acabe bem antes desse comportamento deplorável.

Bolsa Família versus presídios

Os Retirantes, de Portinari
O Brasil tem aproximadamente 500 mil presos em penitenciárias e delegacias, segundo dados divulgados este ano pelo Ministério da Justiça. Esse índice só cresce. Dez anos atrás, eram menos de 120 mil e já não há presídios suficientes para a população carcerária brasileira. O custo só para manter os detentos passa de mil reais mensais por preso.

O mesmo Brasil tem quase 13,7 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família, segundo dados de 2012. O programa começou em 2003 e, em uma década, quadruplicou. O custo desse dele é, em média, de 121,6 reais mensais por família atendida (os valores por lar são diferentes, definidos conforme a condição de cada um).

Nos presídios, a grande maioria dos detentos não faz absolutamente nada além de aprender novos requintes de violência e crueldade em celas insalubres. Para receber o Bolsa Família, é preciso que as crianças estejam matriculadas em escolas e com a carteirinha de vacinação em dia. 

Os presídios não recuperam criminosos e prova disso é a reincidência de crimes no Brasil, que chega a 70%. Ou seja, 7 de cada 10 bandidos presos voltam a assaltar, roubar, matar etc. Em relação ao Bolsa Família, 5,8 milhões dos beneficiários já deixaram de receber o dinheiro do Estado, sendo 40% deles por terem conseguido ganhar uma renda maior que o benefício. Ou seja, 2,3 milhões de brasileiros "aprenderam a pescar" graças ao Bolsa Família.

Esses números servem de base para refletirmos acerca da visão limitada e reacionária segundo a qual transferências de renda por meio de programas assistenciais gera "vagabundos" encostados no Estado. Em vez disso, devemos lembrar que a desigualdade gritante do capitalismo selvagem gera marginalização e marginalização gera exclusão, violência, causando prejuízos muito maiores que os financeiros a toda a sociedade (inclusive aos mais abastados, que passam a ser alvo  maior da violência).

Pode-se dizer -e com razão- que é preciso ir além do Bolsa Família. Sim, mas ele é um começo para um país que sempre foi governado da elite só para a elite. Prova disso é que, nos anos 90, a mesma quantia que hoje se gasta com o Bolsa Família era torrada nas altas taxas Selic, e caía nas mãos de especuladores que nada mais são que vagabundos ricos, pois não fazem nada além de pôr e tirar dinheiro da ciranda financeira.

terça-feira, 30 de julho de 2013

O Brasil melhorou sim, diz a ONU


"Olhamos o Brasil como exemplo de país que tinha passivos históricos de desigualdade econômica, regional e racial. O relatório mostra que, com uma ação clara e forte compromisso da política pública, é possível atacar desigualdades históricas em pouco tempo".

As palavras não vêm do governo, mas da ONU, e são sobre a evolução da qualidade de vida no Brasil nas últimas duas décadas, período em que o país quase dobrou seu IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). O mapa reproduzido acima permite uma noção bem clara disso: à esquerda, o Brasil de 1991, quando o vermelho significa  IDH muito baixo; já à direita, a situação de 2010, em que o verde significa "muito alto".

Em 1991, 85,8% dos municípios brasileiros tinham índice muito baixo. Em 2000, eram 70% ainda nessa situação. Entre 2000 e 2010, o percentual de muito baixo despencou para 0,57%. Ou seja, mudou. E, em que pese a contribuição das ações da década de 90, mudou muito mais no período que entraram em cena ações de transferência de renda, nos anos 2000.

Para um país que sustentou por séculos o maior abismo de desigualdade do planeta, ainda falta muito, mas desprezar essa evolução é negar a própria história e ser desleal com a verdade. Por falar em desleal, a velha mídia navegou completamente contra os fatos e, a despeito das melhorias nos índices sociais, vem pintando um país cada vez pior, como se vê abaixo, em um dos muitos exemplos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Francisco não é Malafaia


"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo?". Palavras que são óbvias à luz do mundo contemporâneo, em que a natureza e a escolha de cada um devem ser respeitadas dentro do conceito de direitos individuais e à luz do conhecimento científico, mas vindas de um papa, representante máximo de uma instituição milenar que foi hegemônica no período medieval, são significativas.

E aqui eu reforço o que já havia escrito e falado em discussões sobre o tema: comparar Francisco com Silas Malafaia e/ou com Marco Feliciano é um erro, uma injustiça. Malafaia e Feliciano pregam o ódio aos homossexuais, como numa cruzada contra algo diabólico que, segundo eles, existe quando alguém deseja amar e dividir sua vida com uma pessoa do mesmo sexo. Essa empreitada antigay dos líderes evangélicos não se resume aos templos, mas contamina a ação política e até comissões que deveriam ter como princípio o entendimento da diversidade humana. Eles não querem apenas combater, mas "curar" o corpo e "exorcizar" o espírito dos homossexuais.

Essa postura já foi comum na Igreja Católica. Pessoas que no passado ostentaram o anel papal lançaram à fogueira, sem piedade e como exemplo ao mundo, os que discordavam de seus dogmas. Simbolicamente, inquisições continuam a acontecer em forma de segregação, mas é interessante lembrar que João Paulo II pediu perdão pelo que se fez com Joana D'Arc e ela acabou canonizada pela mesma igreja que a queimou viva.

Não acho que Francisco peça perdão aos gays por toda a discriminação sofrida em milênios, nem entenda o amor a alguém do mesmo sexo como completamente "normal". Mas as palavras de hoje têm um significado importante: elas caminham no sentido contrário do ódio pregado pelo fundamentalismo cristão e são uma ferramenta poderosa na luta contra a violência que se pratica contra esse público tão massacrado moral e fisicamente.

O Cristo de Francisco me parece mais perto daquele que impediu o apedrejamento de Maria Madalena. O de Malafaia e Feliciano eu prefiro continuar não entendendo.

A mídia se lambuza com a morte


Está no G1 uma "revelação" do Fantástico deste domingo: fotos da vítima fatal de um tubarão no mar do Recife, feitas horas antes da tragédia. 

Na reportagem do site, pode-se ver o vídeo do "show da vida" global, com choros, lamentos, várias imagens que nada acrescentam de objetivo ao caso e a dramatização do que já é, por si só, dramático. 

Ora, todos sabemos que a menina estava viva antes de ser atacada e, certamente (por estar curtindo férias), vivia momentos alegres com familiares e amigos. Então, por que explorar isso com requintes de crueldade, agora? Pra fazer novela dramalhão com a morte alheia? 

Lixo, Rede Globo! Lixo!

sábado, 27 de julho de 2013

Laicos?

Foto formando uma auréola no papa foi usada por toda a mídia:
a santificação do pontífice em um jornalismo beato
Já faz quase uma semana que não há outra notícia na mídia que mereça mais destaque e espaço que o papa Francisco no Brasil. E as abordagens extrapolam todos os limites da objetividade, imputando ao pontífice a condição de santo, milagroso, acima do bem e do mal, onisciente e incriticável.

O Brasil, legalmente, é um Estado laico, o que não significa que seja um país antirreligioso. Estado laico é aquele cujas leis não são subordinadas a dogmas, mas servem a todos, religiosos ou não. Somos laicos no papel, mas não na prática, até porque nossos próprios legisladores se acovardam diante de temas que vão em desacordo com as forças religiosas.

Os três poderes no Brasil estão longe da laicidade e a própria cruz na parede de suas salas demonstra simbolicamente isso. Mas o "quarto poder", a velha mídia, é a maior das beatas a propagar o evangelho como o apóstolo Paulo do século 21. Ela atribui ao papa o melhor conselheiro sobre tudo: das manifestações do país à política, à economia, à cultura, aos hábitos. Mais: noticia que foi Francisco o responsável pelo aparecimento do sol (pérola do G1, sobre a escrevi falei ontem - clique aqui para ler). 

Ver os atores e apresentadores globais ontem representando a Via Crucis foi a apoteose dessa grande missa que viraram estes dias. A mesma Globo que, na programação diária e em sua história, pratica todos os pecados capitais e mais alguns. A mesma Globo que, em seu jornalismo (assim como os outros veículos que se comportam como seu Louro José), nem menciona os gastos astronômicos (que nós bancamos) com a visita de um líder religioso.

Hipocrisia, a gente vê por aqui.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Nonsense: Copacabana na Paulista


São Paulo teve um final de sexta-feira infernal: 300 quilômetros de congestionamento no trânsito. Eu levei quase uma hora de carro do trabalho até minha casa num trajeto que faria em 40 minutos a pé. Os motivos são vários e, entre eles (na região por que passei), um protesto de algumas pessoas na Paulista contra o governador... DO RIO!

Ouvi isso no rádio, enquanto estava parado no trânsito (e depois na li internet). A locutora falava quase incrédula que duas faixas da Paulista estavam fechadas por causa de protesto pelos protestos contra Sérgio Cabral. Com todo o respeito às manifestações dos mais variados tipos, o que faz os paulistanos marcharem, numa noite gélida e garoenta, na Avenida Paulista, contra o governador do Rio?

Difícil saber, mas mais difícil é entender por que o governo do Rio motivou os paulistanos a depredarem dez agências bancárias! E ainda mais difícil é descobrir por que não foram os escândalos que envolvem o governador daqui de São Paulo que moveram os manifestantes. A revista IstoÉ, pela segunda vez, dá reportagem de capa revelando um esquema de propinas milionárias envolvendo o governado Alckmin nas licitações para o metrô e trens na capital. Justamente o setor de transporte, onde o gigante começou a acordar.

Mas, o problema destes paulistanos "que acordaram" está no Rio. Copacabana agora é na Paulista. E o Brasil vai pra lugar nenhum...

Uma taça de vinho, porque hoje é sexta...

De Londres aos vira-latas

imagem sxc
O prefeito de Londres,  Boris Johnson, que comandou as Olimpíadas em sua cidade no ano passado, diz, em uma entrevista dada à Folha, que o Brasil não deveria se curvar ao pessimismo quanto à realização de grandes eventos esportivos programados por aqui. 

"Quando uma cidade faz um grande sucesso, produz uma atmosfera de confiança. Muitos investimentos estavam parados há décadas. O dinheiro está entrando em Londres de uma forma que a gente não via há muito tempo", ele conta. 

Essa matemática vale para muitos grandes acontecimentos, principalmente os de escala global, que colocam as cidades que os sediam no mapa múndi da economia, do turismo, da cultura, além do próprio esporte. Em São Paulo, onde acontece um evento a cada seis minutos, a Parada Gay, por exemplo, traz R$ 200 milhões para a cidade em apenas uma semana e a Fórmula 1, R$ 250 milhões. 

Outro exemplo, em pequena escala mas não menos exemplar, acontece nas próprias empresas. O setor de marketing de organizações de ponta, hoje, no mundo todo, investem pesado em eventos para poder atrair novos clientes e fidelizar os parceiros. Isso porque trazê-los para perto em ocasiões especiais gera muito mais resultado, portanto compensam os gastos, pois multiplicam os ganhos.

O Brasil vai sediar uma Copa e uma Olimpíada e, claro, quando se envolve Estado, há sempre o perigo de o dinheiro público levar a iniciativa privada nas costas, e esta lucrar quase sozinha. Mas a gritaria cega contra esses eventos é, em boa parte, retrato de um complexo de inferioridade, a chamada síndrome de vira-lata que reflete a total carência de autoestima brasileira.

A grande crítica é quanto aos gastos com estádios, mas não se observa que o dinheiro público que existe ali é via BNDES, ou seja, em empréstimos, que, por sinal, são feitos também para empresas privadas de vários segmentos. Um exemplo recente? A Volkswagen recebeu, em 2012, uma linha de financiamento de R$ 343 milhões do mesmo BNDES para construir no Brasil a linha de produção do Up, o chamado "Fusca do século 21", que será lançado em breve. A estratégia foi trazer produção para cá (pois senão iria para outro país), gerando emprego e renda. Outra ação do governo facilitando a construção de estádios é em relação à desoneração de impostos, mas isso também já acontece, em prefeituras e estados, para facilitar a instalação de empresas (também visando emprego e renda) -e ninguém sai para a rua gritar contra.

É óbvio que quando se compara um estádio padrão Fifa com um hospital público, a revolta é quase inevitável. Mas o fato é que a melhoria da saúde e da educação não tem a ver com a Copa nem com as Olimpíadas. Tem a ver com séculos em que imperou por aqui a cultura da desigualdade. Exemplos: dinheiro público jorrando nos bairros de ricos (em asfalto, luz, esgoto, segurança, praças, parques, bosques etc etc etc) enquanto as periferias são insalubres; o abismo entre o que se investe na educação "superior" e o que se deixa de investir na básica, fazendo das faculdades públicas ilhas de excelência utilizadas, em grande parte, por uma minoria de bem-nascidos que não precisou estudar em colégios públicos; política de juros altíssimos transferindo dinheiro público para a especulação financeira, em detrimento dos investimentos em prol do país (para se ter uma ideia, FHC jogou, em oito anos, 300 Itaquerões em juros para especuladores, sem retorno algum; Lula continuou uma política de juros altos e eles só foram cair com Dilma, gerando gritaria entre banqueiros e velha mídia).

Ou seja, a questão não é a Copa e a Olimpíada. O buraco é muito mais embaixo.

A transubstanciação do jornalismo

A manchete em transe do G1 e, no detalhe, os ovos à Santa Clara

A pauta papal pela mídia brasileira já beirava algo muito maior que a razão, mas o G1 transcendeu. O site da Globo entrou em transe total, liberou geral, trocou a objetividade diante dos fatos pela transubstanciação do jornalismo. 

Numa manchete na manhã desta sexta, crava o site dos Marinho: "Sol volta a aparecer no Rio após pedido especial do papa". A reportagem ainda explica como se deu a mudança meteorológica: o pontífice pediu ao prefeito da cidade uma cesta de ovos, que foi enviada a uma freira para que fosse colocado aos pés de Santa Clara. "O pedido foi prontamente atendido", conclui o G1, que só faltou publicar aspas de São Pedro. Fiat Lux!

Nada contra a fé. Muito pelo contrário! Esse lado humanista de um papa franciscano, a defesa dos mais necessitados como uma missão divina (que faz lembrar a Teologia da Libertação, movimento que engajou a Igreja em grandes causas sociais na América Latina, mas foi massacrada por papas anteriores), é uma primavera que se anuncia na Santa Sé. Entretanto, desde o Iluminismo, a razão e o conhecimento científico passaram a nos ajudar a compreender os fenômenos naturais e nos libertaram das inquisições medievais.

O dogma levado ao radicalismo já causou dor, sofrimento e morte à humanidade. Por exemplo, na Idade Média, mulheres mais leves que uma Bíblia gigante usada como lastro eram condenadas à morte por bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício, pois se acreditava que as bruxas ganhavam uma "leveza sobrenatural".  Canhotos eram tidos por demoníacos, cientistas eram assassinados, em nome de Deus, por descobrir a natureza, entre outros tantos casos.

A era iluminista libertou a humanidade das trevas do obscurantismo escravizante e isso não significa uma postura contra a fé. Conhecimento, emoção e crença podem mais contribuir uns com os outros do que se excluírem. Portanto, em pleno século 21 imputar ao papa feitos sobrenaturais é regressar a um tempo em que se queimava gente viva justamente por discordar disso. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A manipulação dos números


Por muitas razões e episódios que presenciei em minha carreira profissional, não acredito na forma como veículos de comunicação utilizam números de pesquisas envolvendo o poder político. A leitura dos percentuais pode ser feita de várias formas, priorizando este ou aquele ponto, escondendo outros e criando verdades que parecem absolutas (já que nascem de números), mas não são.

É interessante a forma como os dois maiores sites de informação do país, o Uol e o G1, pertencentes a dois bastiões da velha mídia (Folha e Globo) divulgam a pesquisa sobre a aprovação dos governos Dilma e Alckmin. É clara a intenção de fuzilar um e poupar outro.

Vejamos as chamadas de capa de ambos, praticamente iguais (fiz o print screen das primeiras manchetes do dia sobre o tema): "Dilma cai 26% "("de 55% para 31%") e "Alckmin é aprovado por 26%". Observem-se os verbos: ela "cai", ele "é aprovado". Curiosamente (!), o Ibope não deu mecanismos comparativos para saber se os governadores caíram em relação ao período pré-manifestações, mas, independente disso, dá para ver que Alckmin é menos aprovado que Dilma, tendo 26% de ótimo/bom enquanto ela ainda tem 31%, mas essa leitura também não se faz.

O que mais escancara a proteção ao governador tucano, entretanto, encontra-se apenas nas entrelinhas: Alckmin é o terceiro pior avaliado numa lista de 11 governadores brasileiros. Lá embaixo do texto (nunca no título nem em destaque), bem disfarçadamente, a Folha diz "Cabral Filho, governador que vem sendo alvo de frequentes protestos no Rio, é o pior avaliado, seguido por Perillo e Alckmin".

Que Dilma foi atingida pelas manifestações de junho e cai em popularidade, não restam dúvidas (e a manchete me parece certa). Ela tem a maior vidraça entre todos os políticos, é a presidente. Que seu governo que pouco dialoga também tem dado motivos para críticas, idem (e isso rende outras postagens). Entretanto, metralhar um lado da moeda e proteger outro é desonestidade. Merece mais destaque o pequeno índice de aprovação de Alckmin do que o fato de ele ser o terceiro pior avaliado? Que regra jornalística é essa? Ah, sim, a regra da velha mídia...

A colônia baba ovo

A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meireles
Deu no "New York Times" que a visita do papa ao Brasil foi "cheia de tropeços". O diário novaiorquino aponta alguns segundos em que o pontífice ficou preso no trânsito do Rio e manifestações pela cidade como argumentos para a tese da reportagem. Nada de novo para nós, pois, já na segunda-feira, ao vivo, a nossa mídia trabalhava para a mesma conclusão e, claro, influenciou decisivamente a postura do Times e de outros jornais pelo mundo, tal qual agora os repercute (e se fecha o ciclo vicioso midiático).

Eu estava com a Globo News ligada na segunda à noite e, por mais de uma hora, com imagens de Francisco pelas ruas do Rio, um "especialista" em trânsito no estúdio global era bombardeado de perguntas para apontar culpados pelo "absurdo" risco que corria Sua Santidade diante da "total falta de segurança" em seu trajeto. As imagens, entretanto, mostravam um papa sorrindo e fazendo questão de se aproximar do público, abrindo janela, tocando as pessoas, quebrando protocolos de segurança.

Fico a pensar o que seria bom na visão dessa velha mídia, cujas páginas transformam a vinda do papa em algo maior que o próprio Brasil. Seria o caso de proibir todos de tirarem carros das garagens, parar ônibus e taxis, vetar bicicletas, skates, patins ou passeio com cachorro para a passagem de um líder religioso? Impedir pessoas de exercer o direito constitucional de se manifestar contra ou a favor de qualquer coisa? Transformar um Estado laico em um mosteiro a céu aberto, fazendo toda a infraestrutura deixar de servir ao ir-e-vir dos cidadãos para ser usada exclusivamente pelo cortejo papal?

Houve, sim, momentos em que a multidão nas ruas chegou perto do carro de Francisco e este chegou a parar no trânsito. Porém, qual absurdo há nisso, considerando que o papa veio justamente ao encontro de multidões (e não apenas de autoridades em espaços fechados)? 

Não foi no Brasil que um papa foi baleado. Também não foi no Brasil que um presidente da República foi morto com um tiro na cabeça durante cerimônia em carro aberto. Em todo o mundo "desenvolvido", visitas de autoridades ou cúpulas internacionais são alvo de protestos dos mais diversos (em 2002, uma reunião do G7 nos EUA terminou com 220 prisões por causa de manifestações violentas, sem contar as que têm torta na cara de autoridades e coisas do tipo, pela Europa). Lá, isso não é tropeço, é normal, mas aqui as coisas parecem diferentes.

O fato é que temos um enorme complexo de vira-latas, agimos como colônia inferiorizada, achando "civilizado" o que é feito lá fora e ridículo o que fazemos por aqui. Nossa mídia, controlada por barões de uma elite estúpida, burra e que não saiu do período escravocrata, repete esse complexo de inferioridade a cada manchete. 

O  papa não veio ao Brasil para dar esmola. Ele e sua igreja precisam se conectar com o maior país católico do mundo se quiserem sobreviver. Devemos ao pontífice, como chefe de Estado e líder mundial, respeito e cortesia. Mas o país não pode parar para sua passagem, como faz a velha mídia com suas pautas baba ovo.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Francisco, corações e almas

Marcelo Camargo/ABr
O papa é simples e tem carisma. Trocou a pompa alegórica de Bento XVI pela sobriedade e deixou de lado os ditames de conduta para nos lembrar que os pobres existem e todos nós temos a ver com isso em um mundo tão desigual e individualista. Nas primeiras palavras ao desembarcar no Rio, adotou um tom mais de humano que de "santo padre", falou em pedir licença para entrar no coração dos brasileiros. 

Tudo isso comove e é digno de apreço, mas o desafio do papa como um líder mundial, com poder moral sobre corações e mentes, é bem maior.

Francisco comanda uma igreja que poucas vezes pediu licença para entrar na vida das pessoas. Pelo contrário, chegou a atear fogo nos que ousaram sair da sua rígida conduta dogmática. E continua queimando, não mais com a fogueira mas com segregação, os que buscam entender que a humanidade é mais complexa do que a leitura radical de escrituras milenares. Aconteceu aqui no Brasil: um padre foi excomungado este ano por enxergar a diversidade sexual como aceitável no contexto católico.

A igreja de que Francisco se tornou líder ainda não vê a mulher como digna dos mesmos direitos dos homens em todo o expediente de sua estrutura, relega o sexo a um ato pecaminoso exceto quando feito para procriação (condenando o uso de preservativos na luta contra a Aids, por exemplo), impõe celibato aos seus sacerdotes, entende a união entre duas pessoas como algo indissolúvel, repele a homossexualidade como aberração (apesar de ela existir desde que o mundo é mundo na natureza - não apenas na espécie humana). Tudo isso se contrapõe à realidade da vida e, mais ainda, às aberturas da era contemporânea.

Exemplo dessa contradição está, inclusive, nos próprios jovens católicos, ao encontro dos quais o papa veio. Pesquisa Ibope divulgada há alguns dias revela que os católicos com idade entre 16 e 24 anos pensam e agem diferente da Igreja: 72% são a favor do fim do celibato para padres, 62% querem mulheres sendo ordenadas (mesmo percentual dos que são contra uma mulher ser presa por ter feito um aborto), 56% apoiam a união de pessoas do mesmo sexo e 90% querem punição mais rigorosa para religiosos pedófilos. São maiorias pra lá de desafiadoras para a Santa Sé.

Ou seja, se Francisco quer mesmo fazer a diferença em corações do século XXI, terá de tirar a sua igreja da Idade Média. E isso não significa abdicar de valores atemporais, como a solidariedade, tão rara numa época de extrema competição, e o amor (lembremos que "amai-vos" é a expressão maior de Cristo, ironicamente tão pouco praticada pelas próprias religiões cristãs). Em sua homilia desta quarta-feira, em Aparecida, o papa tocou nesses valores, ao dizer que o dinheiro é um ídolo passageiro, deixando claro um diferencial positivo do catolicismo diante do neopentecostalismo, que cultua a riqueza material como divina e quase coloca códigos de barras nas almas.


Vivemos uma era de liberdades conquistadas ao longo de milênios, edificada com conhecimento científico e lutas, que nenhuma igreja tem o direito de (nem poder para) tirar. Isso, entretanto, não torna a humanidade avessa à busca da transcendência, até porque o capitalismo, que não sobrevive sem o consumismo e a desigualdade, tem esvaziado o espaço dos sonhos e das razões maiores de se viver. 

Eis um contexto oportuno para a reflexão do papa e de outros líderes religiosos: não é só entrar nos corações, nem sequestrá-los com promessas milagrosas, ditames de conduta moralista ou boletos bancários para dízimos. A alma humana é maior que tudo isso. Como diz Mário Quintana, "A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe."

terça-feira, 23 de julho de 2013

Boris Casoy e o Brasil sem vergonha

"Feliz ano novo, muita paz, muita saúde e muito trabalho", diziam dois garis às câmeras do telejornal apresentado pelo senhor Boris Casoy no final de 2009, quando o âncora deixou escapar durante a vinheta de intervalo, sem saber que os microfones estavam abertos: "Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras. O mais baixo da escala do trabalho".

O rompante de preconceito e elitismo, repugnantes a qualquer ser humano e ainda mais inadmissíveis a um jornalista, gerou indignação na época e um processo movido pela categoria ofendida. Mas hoje Boris e a Band obtiveram uma vitória: foram isentados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo de pagar multa de 3,5 milhões de reais por danos morais coletivos aos garis. Restou uma indenização de 21 mil reais a cada um dos garis que aparecem no vídeo, um valor mísero para uma emissora de TV, que cobra mais que isso por alguns segundos de propaganda.

A decisão pró-Boris é um escracho não apenas aos garis, mas a todos os brasileiros pobres, vítimas de um sistema judicial que, historicamente, privilegia quem tem dinheiro e bons advogados para transitar pelas brechas dos parágrafos da legislação brasileira. Se não é dano moral dizer que humildes e sinceros votos de feliz ano novo de dois garis são uma "merda" porque esses seres humanos ocupam "o mais baixo da escala do trabalho", o que mais seria?

Venceu Boris Casoy, sua histórica petulância preconceituosa e seu falso moralismo que sentencia seus desafetos ao jargão do "isto é uma vergonha". Venceu a elite acima do bem e do mal, que tripudia sobre a lei. Perdemos todos nós e o Brasil, país que ainda tem em atividade no jornalismo (e vencendo em tribunais) um profissional que não aprendeu sequer a respeitar gente.


Vai um cafezinho?

O fenômeno jornalístico que desponta não pertence a nenhuma empresa gigante das seis famílias que sempre comandaram a opinião pública brasileira. Pelo contrário, é bem pequeno. Até no nome: "O Cafezinho", um blog criado pelo carioca Miguel do Rosário, que trabalhou 15 anos como jornalista especializado em café, depois atuou em análise de mídia, partindo para a blogosfera.

Em menos de um mês, O Cafezinho (www.ocafezinho.com) rendeu dois enormes furos de reportagem sobre assuntos de que a velha mídia brasileira foge, por interesses próprios e desinteresse com os fatos: a sonegação milionária da Rede Globo (revelada no final do mês passado, leia aqui), e agora a participação de Joaquim Barbosa como acionista de empresa nos EUA, através da qual adquiriu um apartamento em Miami valendo um milhão de reais (leia aqui).

Os dois fatos revelados estão amparados em documentos reproduzidos no blog, que já são suficientes para a abertura de investigações. No caso da Globo, porque sonegar é crime; no caso de Barbosa, porque manter uma empresa lucrativa é incompatível com seu cargo, pois está em desacordo com o estatuto do servidor público.

O Cafezinho é um sinal dos novos tempos, da descentralização midiática que veio com a era digital. A notícia não é mais patrimônio exclusivo dos donos de impérios de mídia, pois ela flui em rede compartilhada e as fontes se multiplicam. Todos somos emissores em potencial e o blog é uma prova de que não é o jornalismo que está ameaçado pelos novos tempos, mas os jornalistas que há tempo deixaram de fazer jornalismo para apenas seguir a pauta de barões da manipulação.

Eis um bom tempo para se empreender a verdade e fazer renascer a verdadeira atividade jornalística. Um cafezinho quente para comemorar!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Da toga às cavernas

Vários dos que não gostam de Dilma, de seu governo ou de seu partido estão em festa com a atitude do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, a única autoridade a cumprimentar apenas o papa e "passar batido" pela presidente, que estava ao lado do pontífice em cerimônia oficial, no Rio de Janeiro, gerando notável constrangimento. Entretanto, não é saudável em uma democracia ter prazer com práticas agressivas, antirrepublicanas e desprovidas de cidadania.

Em mais um de seus rompantes autoritários (ele já mandou repórter ir "chafurdar" e vive falando em tom nada respeitoso com outros magistrados), Barbosa mostrou incompatibilidade com o cargo que ocupa, porque ele não representa apenas a si próprio e sim a Corte máxima do Poder Judiciário brasileiro. Espera-se, portanto, que chefiando um dos três poderes da nação, respeite os outros, entre eles o Executivo, ali representado por Dilma.

Barbosa foi escolhido por um presidente da República; Dilma, por mais da metade dos brasileiros eleitores (ou, quase 56 milhões de votos), seu mandato é legítimo e, mesmo que Barbosa odeie o governo e a presidente (e deve odiar, considerando a forma como acaricia seus adversários), não tem o direito de ser desrespeitoso. Diferenças fazem parte das democracias, em todas as áreas e instâncias (muitos que cumprimentaram educadamente o papa certamente não são católicos nem concordam com os dogmas da Santa Sé, mas nem por isso foram grosseiros com Francisco).

Se queremos evoluir no sentido da cidadania e da civilidade, não podemos aceitar práticas que ecoam das cavernas, independente de quem agride ou é agredido.



Francisco, Elizabeth e o sonho

imagem: Tomaz Silva/ABr
Multidão pelas ruas, no Rio de Janeiro; multidão em frente ao Palácio de Buckingham, em Londres. Por aqui, horas se acotovelando em pé na expectativa de, quem sabe, avistar o papa Francisco; lá, outra sofrida espera, só que para saber alguma coisa sobre o bebê que nasce, em pleno século 21, herdando o trono da rainha. 

No "velho" ou no "novo" mundo, um mesmo tipo de mitificação que ecoa de milênios: de um lado do Atlântico, a monarquia "produzindo" um sucessor; de outro, um rei (supremo do Estado do Vaticano) que representa uma religião e, segundo ela, o próprio Cristo na Terra, peregrinando. Em ambos os casos, todos os holofotes.

Não houve nenhuma notícia capaz de sequer arranhar o destaque que esses dois fatos monárquicos ganharam (e ainda ganham) em praticamente todos os veículos e plataformas de comunicação. E é curioso ver símbolos milenares, mesmo com todas as suas contradições com os novos tempos, arrebanhando multidões e monopolizando a pauta na era pós-moderna, a era da imagem, do imediatismo e de conexões virtuais. 

Eis um intrigante paradoxo. Ao mesmo tempo em que decaem em importância prática, uma família real que apenas referenda o parlamentarismo britânico e um catolicismo cujos dogmas pouquíssimos católicos seguem à risca pelo mundo seduzem como referência e também como expectativa de fazer surgir algo novo.

Ouso acreditar que a humildade cativante de Francisco e o carisma apaixonante de Elizabeth II suscitam a esperança de que tais traços tão humanos são como flores a brotar metros acima de velhas raízes, transcendendo passado e presente. Sob as rugas de ambos, há fibras que não emergiram do "celebritismo" instantâneo nem do discurso totalmente moldado pelo marketing e para o consumo. 

Numa era em que quase tudo tem preço e não valor (parafraseando Oscar Wilde), onde o descartável predomina e o que mais falta é o sonho, Francisco e Elizabeth são como um conto de fadas real, em carne e osso. E alma!

Sob a máscara do Batman

imagem sxc
No espetacular julgamento do “mensalão do PT”, vendido pela velha mídia como um novo capítulo da história do Brasil, Joaquim Barbosa emergiu como uma figura heroica. A revista Veja, baluarte do pensamento reacionário de direita, cravou em sua capa que ele era “o menino pobre que mudou o Brasil” e, em coro, os barões da imprensa o aplaudiram, massageando seu ego e dando peso extraordinário ao seu martelo da lei.

Noutro capítulo que ficará para a história do país, os manifestos de junho, novamente Joaquim Barbosa surgiu como o salvador da pátria que poderia limpar o Brasil da politicagem corrupta. A Folha, outro estandarte da deformação opinativa, canalizou seu instituto de pesquisas para mostrar que, entre os manifestantes, Barbosa era o preferido para presidir o país.

Mas o juiz aclamado até como Batman pelas mídias sociais parece ter telhado de vidro em sua “batcaverna”. A reforma de seu banheiro no supremo tribunal, para a qual pagamos 90 mil reais, foi o primeiro indício. Depois, soube-se da viagem de jatinho da FAB para ver o jogo do Brasil no Rio. Em seguida, que ele embolsou mais de 500 mil reais das tetas públicas relativos a questionados “auxílios atrasados”. Ainda teve o episódio do filho do juiz trabalhando com Luciano Huck, cujo pai é um advogado (para o qual Barbosa chegou a gravar um vídeo cumprimentando por seu aniversário) que já teve processo analisado por Barbosa. Agora, é a compra de um apartamento de um milhão de reais em Miami e a participação em empresa no exterior feita em desacordo com a lei 8.112/90, o estatuto do servidor público.

Seria um “menino pobre que mudou o Brasil” alguém que gasta 90 mil reais dos impostos dos brasileiros (inclusive dos mais pobres) para fazer xixi luxuosamente? Alguém que burla a regra de servir ao país, mesmo ganhando um dos mais altos salários da República, para manter empresa no exterior, comprando apartamento de um milhão?

O Brasil de Barbosa nada difere do que se faz por aqui desde as Capitanias Hereditárias. Sua capa de Batman é pura ficção, patrocinada por uma mídia de desagradáveis entretenimentos.

sábado, 20 de julho de 2013

Bomba desnuda tucanos

A revista IstoÉ que chega às bancas neste fim de semana detona uma bomba atômica envolvendo os governos Alckmin, Serra e Covas no Estado de São Paulo, e se mostra uma rara voz na mídia a não esconder as mazelas tucanas em suas manchetes. 

A reportagem revela um “propinoduto” que já desviou R$ 50 milhões em verbas públicas para as obras do metrô e trem metropolitano. O estopim partiu de denúncia da gigante alemã Siemens, que fez acordo com a Justiça para contar como ela própria e outras empresas agiam para formar cartéis e vencer concorrências públicas que envolviam gordas propinas e preços superfaturados.

Entre as provas, está um depoimento bombástico de um funcionário da Siemens, que revela como funciona o esquema. Diz a matéria: "A Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM. À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por IstoÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM".

Além da Siemens, são citadas outras gigantes a fazer parte do processo, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui. "As empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada", diz a matéria, que ainda crava: "Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões".

Se lembrarmos que todo o barulho do "gigante que acordou" nos protestos do mês passado começou justamente com a reivindicação de um transporte público de qualidade, escancara-se o e escracho do grupo político que governa o Estado mais rico da federação há duas décadas, grupo que, ironicamente, é sempre protegido e acariciado pela velha mídia, como se fosse o paladino da moralidade e eficiência administrativa. 

As filas insalubres nas estações de metrô e trem de São Paulo não são apenas retrato de um Estado que não sabe planejar e priorizar o transporte público. Cada ser humano que forma a massa apertada nas plataformas e trens não é apenas espremido por políticas incompetentes, mas também roubado por políticos bandidos.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

É a política!

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Política quase virou sinônimo de palavra chula, um palavrão, daqueles que não se falam em voz alta por medo de ser linchado. O ódio fascista aos partidos, que marcou boa parte dos protestos pelas ruas do país, é um sinal disso. Outro sinal é a carência de novas lideranças e a apatia dos jovens por ideologias.

A própria classe política tem sua parcela de culpa por tudo isso, claro. Boa parte dos eleitos não faz jus ao papel de representante do povo, de figura pública e, em vez disso, se presta aos piores papéis para permanecer eternamente sorvendo o doce gosto do poder. Mas não é só ela. 

A mídia tem também sua responsabilidade, ao fingir-se de imparcial porém levantando subliminarmente suas bandeiras e, quando lhe convém, generalizando a atividade como um mal em si (vide O Globo, um dia depois do golpe de 64 comemorando a "glória apartidária" que afundou o país em 20 anos de ditadura sangrenta).

No eleitor, entretanto, os fatores se fecham, afinal, é muito comum no Brasil votar e esquecer o representante horas depois do pleito, não se informando sobre suas atividades, não cobrando suas promessas, não exigindo representatividade. Em geral, não participamos, sequer, de reuniões de condomínio...

Apesar de toda essa pretendida "apolitização" (ou "antipolitização") do país, enquanto cidadãos somos, por condição, seres políticos, e fazemos política até quando decidimos não participar de nada, pois deixamos para outros decidirem por nós. 

Portanto, quando queimamos bandeiras em vez de encontrar a nossa (ou criar uma nova), estamos colocando em xeque nossa própria liberdade.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Deixem Ronaldo; deixem Ronald

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Segunda-feira, ao terminar a exibição de "Os Simpsons", na Fox, passei pelo CQC, que já não me atrai há um bom tempo. E em um dos rompantes de "Pânico" que o programa vem tendo, os "apresentadores-stand-ups" tocaram na velha piadinha sobre o jogador Ronaldo e o episódio com as travestis. Imediatamente, mudei de canal e, diante da enxurrada de lixo, desisti da TV.

Esta semana, outro episódio envolvendo questões de sexualidade assombrou a família do ex-jogador: fotos de seu filho com cabelo alisado e em postagens junto a um amigo que viajaria com ele para Ibiza geraram fofocas. Imediatamente às postagens das fotos, choveram insinuações pelas mídias sociais, como uma inquisição digital sobre o garoto Ronald, seu cabelo "a la Maria Gadu" e seu "amiguinho" com quem posava aos sorrisos no aeroporto.

A repetição da piada sem-graça do CQC sobre o jogador e os comentários sobre seu filho nas redes sociais (muitos feitos por gays, uma aberração completa) são provas de que Feliciano representa, sim, grande parte do Brasil medieval, falso moralista e hipócrita. Afinal, a quem interessa com quem Ronaldo gosta de fazer sexo e qual a orientação sexual que seu filho está descobrindo? Só interessa aos moralistas de plantão, que agem tal qual a Santa Sé na Era Medieval, pronta a atear fogo nos que não seguissem os dogmas.

Para valer o grito de "Fora Feliciano", é preciso que, antes, exorcizemos o demônio do preconceito presente até em quem posa de engajado contra a homofobia, como o comandante-mor do CQC, e também entre as próprias vítimas de preconceito, caso dos gays. Quem vê graça e especula sobre a sexualidade alheia ainda rasteja nas escuridão dos direitos.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

'Estupra mas não mata' gospel

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Intriga-me o machismo perverso de alguns grupos religiosos. Chegam a tratar a mulher como uma máquina de fazer filhos, totalmente desprovida de condição e direitos humanos.

A mais nova é a pressão para que a Presidência da República vete um trecho de projeto de lei que prevê aos hospitais "profilaxia da gravidez" a vítimas de violência sexual. Entendem tais religiosos, liderados pelo excêntrico Marco Feliciano, que tal trecho gera "subjetividade que dá ao profissional direito de pensar e agir da forma que ele quiser" e isso "poderia gerar um aborto".

Feliciano deveria começar a ler dicionários e entender que "profilaxia" significa "prevenção" (tanto que tal trecho da lei é em relação à pílula do dia seguinte). Mas a questão nem é essa. Vítimas de estupro já podem recorrer ao aborto no Brasil, apesar da enorme dificuldade para serem atendidas nesse direito constitucional. A questão intrigante é a preocupação de tais religiosos com o que é subjetivo e o descaso desumano e bizarro com o que é objetivo: a vítima real, a mulher estuprada!

A mulher, uma vida formada, que chega a um hospital fragilizada e humilhada por uma condição horrorosa (o abuso sexual) não merce respeito em sua integridade e dignidade? Deve ser tratada como uma receptora de esperma e geradora de bebês?

Feliciano vai além: quer que se retire também o trecho da lei que prevê o fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sanitários diante da sua situação. Ou seja, mulher estuprada não pode nem ser bem atendida, nem conhecer seus direitos. Deve ser, em nome de Deus, uma chocadeira ignorante.

É a versão gospel do "estupra mas não mata".

Dancing Queen

Elizabeth Alexandra Mary, a rainha Elizabeth II, acaba de dar a aprovação final ao casamento gay no Reino Unido. É apenas uma formalidade, já que a propositura fora aprovada anteriormente no Parlamento, mas não deixa de ter um enorme valor simbólico. 

Um país com a mais antiga configuração de Estado ainda em vigor no planeta (a monarquia), representado por uma família de "sangue azul" sob o comando de uma senhora aos 87 anos, acaba de permitir que dois homens ou duas mulheres constituam, oficialmente, uma família.

Aqui no Brasil, numa República presidencialista e com eleições diretas para dois poderes, nem parlamentares nem presidentes nunca levaram o tema a sério, temendo mexer com o conservadorismo dos rincões religiosos. A exceção é um projeto de lei que prevê a união civil de pessoas do mesmo sexo, formulado pela então deputada Marta Suplicy, que repousa junto às traças nas gavetas de Brasília desde 1995, pois nunca (nunca!) foi votado pelo Congresso. Precisou o STF fazer a vez do nosso covarde Parlamento, liberando o casamento gay por jurisprudência.

Em se tratando do respeito à diversidade, até a octogenária majestade do Reino Unido sambou na cara da nossa política. Deus salve a rainha!

São as classes, cara pálida!

Anne Hathaway como operária no filme "Os Miseráveis"
Os médicos protagonizam uma grande manifestação classista pelo país (ontem, fecharam a Paulista), motivados tanto por razões pertinentes quanto por um corporativismo tão antigo quanto todas as mazelas da saúde brasileira. 

A infraestrutura da saúde no país (ou, a falta de infraestrutura adequada) é a razão pertinente, mas ela não se resume à saúde pública. Quem depende de grande parte dos convênios (muitos deles administrados por médicos) sabe o que é amargar demoras absurdas no agendamento de consultas, péssima qualidade de serviços de plantão e outras tantas dificuldades para ser bem atendido. Ou seja, só bater no SUS é poupar os médicos empresários que administram esses convênios com regras piores que as do sistema público, já que lucram com o atendimento ruim.

Chego, portanto, à questão do corporativismo. Não tem sentido um médico que labuta madrugada adentro no SUS e em convênios gritar junto com um dono ou executivo de seguradoras de saúde que superlotam a carteira de clientes motivado pelo lucro fácil. Podem ser formados no mesmo curso, mas suas ações na sociedade divergem completamente e, muitas vezes, um oprime o outro.

Ou seja, a luta não é de profissões, mas, como já dizia o velho Marx, de classes. Existe uma elite no país que age como agia a elite na França antes da revolução iluminista. Essa elite está na política, no empresariado, no sistema financeiro, na mídia e na saúde. Está também na educação, onde muitos educadores empresários mantêm, por exemplo, faculdades caça-níquel, verdadeiros consórcios de diploma nem um pouco comprometidos com qualidade.

Se queremos, de fato, mudar algo, talvez seja interessante buscar inspiração em Robespierre, grande líder da Revolução Francesa, que disse coisas como: "Não é por um povo que combatemos, mas pelo universo! Não pelos que vivem hoje, mas por todos aqueles que existirão". 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Eike hipocrisia!

Não havia uma única publicação, poucos meses atrás, que não tratasse Eike Batista como "o cara". Ele era pintado em todas as capas de revistas (as "especializadas" em economia, as "especializadas" em negócios, as semanais etc) e manchetes de jornais como o grande empreendedor, aquele que tinha em si todos os atributos do líder do novo milênio.

A que se acha a maior das maiores, a "Veja", o chamou de "Eike Xiaoping", a personalidade de um Brasil que "trabalha muito, compete honestamente, orgulha-se de gerar empregos e não se envergonha da riqueza". Em "Época", "Exame", "Folha", "Estado", "Globo", não foi diferente: mudaram apenas os adjetivos, mas todos davam a Eike a condição de o maior dos empreendedores.

Considerando que no capitalismo financeiro a imagem (e os boatos) sobre determinada empresa ou empresário gera mais ou menos dinheiro - e daí que surge a expressão especulação financeira-, pode-se concluir que a velha mídia fez um verdadeiro lobby pelo enriquecimento de Eike Batista. Agiu como seu assessor financeiro, cooptando recursos de vários investidores por meio da construção de uma imagem fictícia.

Agora, quando Eike derrete ladeira abaixo, a mesma velha mídia procura culpados pela bolha que se criou sobre o empresário. Ora, quanta hipocrisia! Quem mais favoreceu tal bolha? Quem mais pintou fantasiosas capas e manchetes? Quem mais contribuiu para uma verdadeira canonização do cara? Foram donos e editores de veículos de comunicação que, ou mal intencionados ou ignorantes, criaram seu Frankstein.

O filho é teu, velha mídia! Assuma-o!