A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meireles |
Deu no "New York Times" que a visita do papa ao Brasil foi "cheia de tropeços". O diário novaiorquino aponta alguns segundos em que o pontífice ficou preso no trânsito do Rio e manifestações pela cidade como argumentos para a tese da reportagem. Nada de novo para nós, pois, já na segunda-feira, ao vivo, a nossa mídia trabalhava para a mesma conclusão e, claro, influenciou decisivamente a postura do Times e de outros jornais pelo mundo, tal qual agora os repercute (e se fecha o ciclo vicioso midiático).
Eu estava com a Globo News ligada na segunda à noite e, por mais de uma hora, com imagens de Francisco pelas ruas do Rio, um "especialista" em trânsito no estúdio global era bombardeado de perguntas para apontar culpados pelo "absurdo" risco que corria Sua Santidade diante da "total falta de segurança" em seu trajeto. As imagens, entretanto, mostravam um papa sorrindo e fazendo questão de se aproximar do público, abrindo janela, tocando as pessoas, quebrando protocolos de segurança.
Fico a pensar o que seria bom na visão dessa velha mídia, cujas páginas transformam a vinda do papa em algo maior que o próprio Brasil. Seria o caso de proibir todos de tirarem carros das garagens, parar ônibus e taxis, vetar bicicletas, skates, patins ou passeio com cachorro para a passagem de um líder religioso? Impedir pessoas de exercer o direito constitucional de se manifestar contra ou a favor de qualquer coisa? Transformar um Estado laico em um mosteiro a céu aberto, fazendo toda a infraestrutura deixar de servir ao ir-e-vir dos cidadãos para ser usada exclusivamente pelo cortejo papal?
Houve, sim, momentos em que a multidão nas ruas chegou perto do carro de Francisco e este chegou a parar no trânsito. Porém, qual absurdo há nisso, considerando que o papa veio justamente ao encontro de multidões (e não apenas de autoridades em espaços fechados)?
Não foi no Brasil que um papa foi baleado. Também não foi no Brasil que um presidente da República foi morto com um tiro na cabeça durante cerimônia em carro aberto. Em todo o mundo "desenvolvido", visitas de autoridades ou cúpulas internacionais são alvo de protestos dos mais diversos (em 2002, uma reunião do G7 nos EUA terminou com 220 prisões por causa de manifestações violentas, sem contar as que têm torta na cara de autoridades e coisas do tipo, pela Europa). Lá, isso não é tropeço, é normal, mas aqui as coisas parecem diferentes.
O fato é que temos um enorme complexo de vira-latas, agimos como colônia inferiorizada, achando "civilizado" o que é feito lá fora e ridículo o que fazemos por aqui. Nossa mídia, controlada por barões de uma elite estúpida, burra e que não saiu do período escravocrata, repete esse complexo de inferioridade a cada manchete.
O papa não veio ao Brasil para dar esmola. Ele e sua igreja precisam se conectar com o maior país católico do mundo se quiserem sobreviver. Devemos ao pontífice, como chefe de Estado e líder mundial, respeito e cortesia. Mas o país não pode parar para sua passagem, como faz a velha mídia com suas pautas baba ovo.
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