Um jovem bem-nascido vai à balada, bebe e dirige seu carro ziguezagueando em alta velocidade pelas ruas, atropela um ciclista, não presta prestar socorro -só parando depois, para tirar o braço da vítima que ficou preso no seu veículo-, joga o membro em um rio e segue para casa. Este jovem acaba de ser premiado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu não o mandar a júri popular por não encontrar exatamente onde estaria seu "dolo" (ou, sua culpa).
Claro que ele não precisa de júri popular. Aliás, nem precisará de condenação ou punição pelo crime que cometeu no processo que resta, agora apenas por lesão corporal. Ele tem bons advogados, que sabem que as leis brasileiras foram feitas e são executadas em benefício dos capazes de passear por suas interpretações e influências.
A vítima é um pobre pintor que precisa acordar cedo em pleno domingo para trabalhar (sim, trabalhar no domingo cedo!). Mais: precisa pedalar sua bicicleta para chegar ao trabalho e enfrentar as ruas de uma cidade construída para quem tem carro e grana. Mais ainda: agora terá de labutar sem um braço. Situação bem diferente do jovem motorista, um estudante de família abastada, que passou a madrugada na balada, saiu dela com três vodkas na cabeça e em alta velocidade ao volante, sem preocupação alguma com a lei seca, com o código de trânsito, com o código penal...
Ora, para que se preocupar com leis e códigos se tudo isso só pune, de fato, os pobres?; para que esquentar a cabeça se, tendo bons advogados, pode-se até matar, seja atropelando, esfaqueando ou atirando, pois dificilmente um réu primário rico vai atrás das grades no Brasil. O pobre é que vai! E nem precisa atropelar ou matar, basta roubar o toca-fitas de um carro ou um saco de feijão no supermercado.
A Justiça brasileira é uma piada em várias instâncias, que começa nos pequenos tribunais e se consolida no presidente supremo, que confunde sua toga com a capa do Batman. É a mãe da desigualdade, do elitismo e da impunidade.
Esse caso absurdo que escancara a pátria dos privilegiados me fez lembrar a música do Chico Buarque. Pobre morre trabalhando, na contramão e atrapalhando o tráfego. O braço do garoto pintor? Deus lhe pague!
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